quinta-feira, 18 de junho de 2009

SERÁ A RUÍNA DO QUARTO PODER?

Acho que as pessoas que me conhecem bem já deveriam imaginar que uma hora ou outra eu ia acabar escrevendo sobre esse assunto. E não poderia ser de outro jeito, uma vez que não me conformo com a infeliz decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) quanto à exigência do diploma universitário do curso de Jornalismo. Muito ainda vai se falar sobre esse tema, mas gostaria de usar esse espaço para, ao menos, desabafar como uma ex-estudante de Comunicação Social. Não falo propriamente como jornalista, pois de fato não cheguei a exercer a profissão – as razões não vêm ao caso agora – mas sim como alguém que desde criança tinha vontade de escrever para outras pessoas, de questionar algumas regras, de levantar algumas verdades, de pesquisas e querer saber cada vez mais sobre o mundo e as pessoas. Falo como alguém que, durante a passagem pela faculdade, teve inúmeras dúvidas quanto a escolha feita; como alguém que se colocou várias vezes contra a parede para saber se havia tomado a decisão certa em dar continuidade aos estudos de jornalismo. E que, apesar de tantas “minhocas na cabeça”, decidiu continuar, pois a paixão pela escrita pesou mais. Mas não basta ter só paixão se os conhecimentos não forem bem direcionados, se não houver orientação, senso crítico, ética, postura, disciplina, especialização. E é isso o que vamos buscar numa faculdade.

Gostaria de saber quais argumentos foram levados em conta para que se abolisse a obrigatoriedade do diploma. Vir com aquele papinho de que a exigência do diploma vai de encontro à Constituição – uma vez que ela também prima pela liberdade de expressão – para mim não cola! Liberdade de expressão é uma coisa e Jornalismo é outra, embora ambas andem de mãos dadas. O que faço nesse espaço é exercer liberdade de expressão e isso qualquer cidadão está apto a fazer, até aquele que não tenha lá muita instrução. Todos devem ser ouvidos, com isso eu concordo totalmente. Agora, fazer Jornalismo é outro departamento.

A imprensa não passou a ser chamada de “O Quarto Poder” a troco de nada. As mídias têm uma força que o público ainda nem sabe. Através da imprensa o mundo toma conhecimento do mundo. E se isso for feito por pessoas despreparadas, não quero nem imaginar o caos que isso pode acarretar. E não estou sendo exagerada! Quem não se lembra do caso da Escola Base? Informações incompletas e desencontradas condenaram pela vida toda um casal acusado de abusar de criancinhas. No fundo eles eram inocentes, mas o estrago já havia sido feito e a vida deles, aposto, nunca mais foi a mesma. Estragos causados por uma meia dúzia de gente inapta.

Na faculdade exemplos como esse são citados aos montes para que os futuros jornalistas tenham a consciência de que seu trabalho pode alterar os rumos de muitas vidas, pode interferir na história de uma cidade ou de um país. Tanto o jornalista que assina um jornalzinho de associação de bairro (não estou pondo isso no sentido pejorativo) quanto um correspondente internacional, têm grandes responsabilidades sobre aquilo que dizem e escrevem. Uma afirmação feita sem certeza, pode deixar um rastro de mal entendidos e, consequentemente, de falta de confiança por parte do público. E depois pedir desculpas, não basta. Seu currículo já foi arranhado, e nesse meio, infelizmente, muitos erros não têm perdão.

Apurar uma notícia, ir atrás de fontes (e saber preserva-las), peneirar o que é útil daquilo que não presta, saber o momento certo para divulgar os fatos, não parar de pesquisar nunca, ser ético com os demais profissionais e colaboradores, tentar ao máximo não se envolver emocionalmente com as personagens da notícia, saber falar, saber se colocar, saber escrever. Isso não se aprende sozinho. Os professores de Jornalismo são os primeiros a nos dar uma noção dessas coisas todas. É claro que aprendemos muito e talvez até mais quando praticamos, quando o mercado de trabalho nos abraça. Mas são os professores (também jornalistas) que nos colocam as sementes da ética, do conhecimento, do interesse. O esforço dos nossos mestres e também dos alunos (tantos ingressam numa universidade muito sacrificadamente) não pode ser desprezado.

O que o STF fez parecer é que estudo e conhecimento não valem nada. Que qualquer zé-mané que acha que manja muito de Português pode exercer a profissão que tanto põe medo nos nossos governantes. A única razão que enxergo pela qual tal decisão tenha sido tomada, foi justamente a de criar uma nova geração de jornalistas idiotas, carentes de cultura, sem poder de argumentação. A imprensa é e sempre foi uma ameaça para o governo – seja ele qual for, independente de época. Mas agora a coisa ficou descarada. Até mesmo Lula, que, como era de se esperar, falou em defesa de Sarney, disse que tudo o que está sendo levantado sobre o “imortal” ex-presidente é puro denuncismo. Como denuncismo, se há provas? Agora a culpa pelo Sarney estar empregando a família toda e mais um pouco às custas do dinheiro público é da imprensa? Lula tem o costume de dar declarações ridículas, mas essa foi umas das piores.

A consequência dessa manobra, além da fragilidade da classe, será a aparição de inúmeros “jornalistas” semi analfabetos. Afinal, todo mundo tem certeza de que sabe, e muito bem, usar a Língua Portuguesa. Os editores-chefes e os revisores não vão dar conta de tantos abusos que vão começar a aparecer. Pois se até mesmo os jornalistas formados e experientes às vezes dão seus tropecinhos no Português (mas sabem corrigi-los imediatamente), imaginem que não passou por uma faculdade?

O presidente do STF, Gilmar Mendes, ainda teve a pachorra de dizer, em seu relatório, que diploma de Jornalismo é tão dispensável quanto diploma de culinária e corte e costura. Bom, para culinária e corte e costura realmente não são necessários cursos universitários, mas para quem deseja evoluir nas carreiras, existem faculdades de Gastronomia e Moda e Estilismo. Outro argumento totalmente furado, desnecessário e mal escolhido.

É por essas e por outras que ando botando cada vez menos fé nesse país. Quando a gente pensa que as coisas não podem ficar piores, vem alguém e nos prova o contrário. Como jornalista, como ex-aluna e como público, fiquei chocada, revoltada, triste e deprimida com tal julgamento. Tudo o que aprendi na faculdade não é jogado fora, claro. Mas o sentimento que fica é de que conhecimento, no Brasil, não tem valor. Uma redação bem feita e esmero quanto ao uso da Língua Portuguesa valem tanto quando um textinho sem-vergonha sem pé nem cabeça. Mas no fim das contas não há porque ficarmos chocados, afinal temos um presidente que nunca fez questão de estudar.