terça-feira, 23 de setembro de 2008

Qual é a graça de anular o voto?

Qual é a graça de anular o voto?
Acabo de ler em um tópico de uma comunidade orkutiana garcense (como de costume) a frase “Nulo neles!”, em resposta à proposta das pessoas se manifestarem sobre as nossas eleições. Daí me veio essa pergunta: qual a graça de anular o voto? Será que as pessoas realmente acreditam que essa é uma maneira de elas demonstrarem descontentamento com a política? Será que não existe outro modo de fazermos isso sem ter que apelar para um artifício tão bobo?

Eu entendo que a urna, assim como o papel, aceita tudo, e que o sistema democrático nos dá essa liberdade de fazermos do nosso voto o que bem entendermos, mas convenhamos, qual o sentido em se dar o trabalho de se sair de casa em mais um sagrado e entediante domingo, enfrentarem uma fila, chegar diante da urna e anular o voto, ou votar em branco? Não seria isso um desperdício de tempo e energia? Alguns dizem que votar nulo ou em branco é uma forma de protesto, para que os políticos vejam que o povo não os aprova. Mas de qualquer maneira alguém tem que vencer a eleição, ou seja, esse é um protesto sem sentido, inútil, natimorto e totalmente apolítico.

Se a intenção é fazer o candidato entender o que o eleitorado espera dele, é melhor que se leia e se debata política com mais interesse. Não adianta ficar só repetindo o que se diz no Jornal Nacional. Isso não basta. Se politizar é ir além disso. É observar ano após ano as mudanças que a cidade sofre, para o bem e para o mal; é saber aproveitar as brechas e oportunidades e conversar pessoalmente com aquele em que se votou, tirar satisfações, fuçar para saber as quantas anda tal projeto.

Os brasileiros pecam pela mania de se lamentarem, se fazerem de rogados, injustiçados, coitadinhos. Acredito que esse conformismo deva vir desde os tempos da colônia, e o tempo foi passando, a política foi ficando uma coisa cada vez mais hermética, as pessoas foram achando-a cada vez mais ininteligível, o interesse se perdeu, a manipulação ficou mais fácil, o voto virou moeda de troca e o resto da história todos sabemos. O eleitorado é que moldou o típico político corrupto de hoje. O povo, os coitadinhos, são os maiores culpados pela corja que hoje mancha a política.

Hoje se fala em introduzir as disciplinas de Sociologia e Filosofia nas escolas. Antes tarde do que nunca, mas se isso já tivesse sido feito, hoje, provavelmente jovens como esse do “Nulo neles!” tivesse outro discurso. Sócrates, Platão e Aristóteles, além de terem sido os primeiros “cristãos” da História (antes mesmo do nascimento de Cristo), foram também os primeiros a discutir política, a levar as discussões acerca desse assunto para o povo, eles circulavam por entre as pessoas desafiando-as a refletir sobre os métodos de governo e das reais necessidades dos cidadãos. E hoje a necessidade é igual. A política deve circular livremente por entre as pessoas, escolas, associações (mas a Igreja que fique fora disso).

A melhor maneira de protestar e demonstrar descontentamento não é jogando um voto no lixo, mas se interando das coisas que acontecem ou deixam de acontecer.
Não faz muito tempo, assim que foram liberadas as propagandas eleitorais nas ruas, eu estava na fila de uma lotérica e acabei ouvindo a conversa de um moço e de uma senhora. O rapaz, pelo que entendi, era de fora, e ao ver uma dessas kombis com o som alto fazendo propaganda de um candidato, se virou para a senhora e perguntou: “O atual prefeito daqui foi bom para a cidade?”. A resposta da senhorinha foi desanimadora: “Ah, não sei. Eu não entendo nada dessas coisas, não.”.

Eu não estou fazendo campanha desse ou daquele candidato, mas por mais simples que a pessoa seja, não há como “não entender dessas coisas”. Ainda que uma pessoa não conheça os jargões da política, não tenha lido nada sobre Filosofia, mal saiba as siglas dos partidos, ainda assim, tem como avaliar o mandato de um político através das transformações pela qual a cidade passa. Quem tivesse visto a mesma cena até poderia dizer “ah, mas aquela senhora era muito simplesinha, muito pobrezinha...”. Vamos parar com essa mania de ter “dosinha”! Pobreza não é desculpa para o pouco caso.

A família dos meus avós maternos nunca foram ricos, mas sempre se discutiu política dentro de casa. Cresci ouvindo nomes desde Adhemar de Barros, passando por Antônio Hermínio de Moraes, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso até chegar a Geraldo Alckmin (isso sem contar os políticos locais). Sempre fomos de acompanhar campanhas, pesquisas e apurações. Dependendo da eleição, essa costumava ser uma atividade muito estimulante. E não estou exagerando, não estou querendo fazer bonito, nem exaltar determinado político. Apenas tentando demonstrar que política não é um monstro, não é chata, não precisa ficar restrita a círculos limitados de discussões, que até pode ser um assunto edificante. Eu sei que ainda existem no Brasil, lugares em que se falar em política resulta em morte, mas no nosso caso, temos o privilégio de podermos conversar sobre isso em qualquer banco de praça, mesa de restaurante, balcões de padocas ou sala de aula.

Também não sou a favor do voto obrigatório e nem estou mais a serviço da Justiça Eleitoral – já fui mesária por quatro vezes e presenciei várias cenas em que o eleitor chegava à frente da urna e ainda não sabia em quem votar. Uma vez, no primeiro turno da eleição para presidente, uma senhora pediu para que eu votasse para ela! Mesário não pode fazer isso, nem em sonho! Mas ela insistiu, “vota aí pra mim, em qualquer um.”. Tive que aconselhá-la, já que ela não tinha a mínima noção de em quem votar, que teclasse qualquer número e confirmasse. Assim que ela saiu, meus colegas de mesa brincaram perguntando se eu tinha teclado o 45. Sinceramente, vontade não me faltou. Quando se é mesário, vemos muitas peças engraçadas, mas também muitas lamentáveis e que nos levam a pensar até onde e quando a ignorância de tanta gente vai continuar. E não digo ignorância para ofender ninguém. Ignorante é aquele que ignora. Nesse caso, estamos pecando pelo ato de ignorar um assunto tão relevante quanto à política e indo pela via mais fácil do “nulo neles”.

Ao contrário do que a maioria pensa, a política não é suja. Nós é que a estamos fazendo assim. Sujo é o nosso descaso, é o conformismo tipicamente brasileiro, a nossa famosa memória curta, é a velha falta de leitura. Tomara que eu possa viver para ver mais famílias e mais rodas de amigos formando pequenas “Acrópoles” e fazendo da política um assunto tão corrente quanto os manjados “mulher, futebol e carro”.
SE LOBATO VIVO ESTIVESSE...


Hoje vi uma reportagem que me deixou um tanto irritada. Abordavam uma série de problemas típicos de uma grande cidade, como São Paulo, e falaram de pessoas que moram em baixo de pontes e viadutos. O repórter se enfiava sob as estruturas para conversar com essas pessoas e mostrar as condições sob as quais elas estavam submetidas. Numa dessas, uma mulher contou que ela perdeu o emprego e com o dinheiro do acerto comprou um barraco numa favela. Mais tarde ela teve que desocupar a favela e foi morar em cima de uma das várias pontes de São Paulo, uma que cruza o rio Tietê bem em frente ao Sambódromo. Não demorou muito, a prefeitura deu-lhe dois mil reais para que ela saísse dali (já que sua imagem estava degradando os arredores do Sambódromo, às portas do carnaval). Então ela foi morar em baixo da mesma ponte. Está lá desde o carnaval, usando pedaços de tapume como paredes, convivendo com o mau cheiro do rio, com o barulho infernal do trânsito, sujeita a todo tipo de doenças, violências e infortúnios.


O que me irritou não foi exatamente essa situação – coisa com a qual já estamos tão habituados que nos sentimos praticamente anestesiados – mas com a reposta que ela deu ao repórter quando ele lhe perguntou o que ela havia feito com os dois mil reais: “Ah, eu comprei um fogão, botijão de gás, mais umas coisinhas e um celular pra minha filha.”. Dois mil reais é uma quantia ridícula, realmente, mas mais ridículo ainda é um ser humano que, visivelmente, carece de bens mais urgentes e essenciais, comprar um celular! Pensei, inutilmente pensei e não achei uma explicação para isso. O que leva uma pessoa desprovida de casa, roupas, remédios e comida a comprar um telefone celular? Daí me veio à mente pensamentos aparentemente maldosos de alguns filósofos que li que dizem que há pessoas que vieram a esse mundo para serem pobres mesmo – e por vezes, merecidamente, pois essa é a lei da natureza e só se destaca e prospera aquele que souber usar de seu intelecto para administrar com sabedoria aquilo que tem, ainda que seja o mínimo; que a pobreza é uma forma de castigo proveniente da indolência, ignorância e falta de vontade. Essa é uma visão muito cruel, teimo em não concordar com ela, alguns pensadores eram de fato muito amargos, mas em momentos como esse, depois de ver essa mulher sobrevivendo sob uma ponte declarar que gastou parte do pouco que tinha com um aparelho celular, é inevitável que nos perguntemos até onde vai esse consumismo imbecil, irracional, impulsivo (e repulsivo) e desenfreado?


Se Monteiro Lobato estivesse vivo, ele morreria de desgosto. Essa seria uma visão que bateria de frente com aquilo que ele sonhava para a nossa sociedade. Em 1935, Lobato traduziu, fez o prefácio e teceu comentários ao final de cada capítulo do livro “A História da Filosofia – a vida e as idéias dos grandes filósofos”, do norte-americano Will Durant. Logo no final do livro (de quase 550 páginas, mas de uma leitura deliciosa), Lobato analisa as teorias de George Santayana, Williams James e John Dewey (ambos do final dos anos de 1800). Esses pensadores norte-americanos (exceto Santayana que era hispano-americano) diziam basicamente que a América, apesar de ainda muito nova, deveria desenvolver logo sua própria forma de pensamento, não calcada somente em coisas referentes a planos subjetivos, mas incorporando seu pensamento à nova realidade do seu povo, às modernidades que estavam surgindo, aos embates entre literatura e ciência.


Não somente os Estados Unidos estavam a todo vapor em termos de desenvolvimento e produção acelerada de bens de consumo, mas toda a América já se encontrava em polvorosa. Da noite para o dia, muitas pessoas passaram a acumular riquezas, os mercados cresciam vertiginosamente, a ciência estava cada vez mais em evidência, as pessoas desejavam a evolução a qualquer custo. Então, esses três homens deram o ponta-pé inicial à filosofia em nosso continente – trazendo na bagagem algumas referências importantes dos filósofos europeus como Darwin, Kant e Schopernhauer. Eles tinham a esperança de que, em meio a esse turbilhão de novidades, se começassem a disseminar o apreço pela cultura e pelo aprimoramento do povo, fazer da Filosofia uma ferramenta “para esclarecer as idéias dos homens quanto aos problemas morais e sociais do momento (...) tornar-se, no humanamente possível, um órgão para enfrentar esses problemas e solver os seus conflitos”.


Santayana, James e Dewey já notavam e temiam que essa nova mentalidade de consumo do povo americano pudesse pôr em perigo o nascimento da filosofia em nosso continente, que pudesse estragar as mentes ainda jovens dessa sociedade – pessoas que, ainda confusas, eram comparadas a adolescentes em plena puberdade.


Lobato transfere esse cenário para a nossa gente, que também não conhecia uma filosofia própria. Ele dizia que não deveríamos desanimar ante nossas superficialidades, éramos “verdes” demais. Afinal, o que era a Inglaterra mil anos antes de Shakespeare? Ou a França antes de Montaigne? Mais cedo ou mais tarde, iríamos despertar nossas mentes e nossas almas (se bem que alguns filósofos nem acreditam na existência da alma).


Porém acabamos por adotar uma posição aquisitiva e individualista ao invés de desenvolvermos uma alma contemplativa, artística e tolerante. Contudo, Lobato ainda acreditava que o acúmulo de bens podia resultar na aquisição de cultura: “Mas tornamo-nos ricos e a riqueza é um prelúdio da arte. Em cada país onde séculos de esforço acumularam meios para o luxo e o ócio, a cultura apareceu naturalmente, como vegetação que brota da terra adubada e úmida”.


Será que Lobato era realmente tão otimista, tão inocente ou tão crente na força de vontade de um povo que já nasceu consumista? Se até os índios foram engambelados pelos portugueses com presentinhos como espelhos e outras bugigangas, por que as pessoas contemporâneas dele seriam diferentes? E de lá pra cá, quase nada parece ter mudado. Riqueza ainda não é sinônimo de cultura. Muitos dos “novos ricos” que vemos são cafonas e se comportam de modo patético, passando longe de qualquer indício de cultura ou aprimoramento espiritual e intelectual. Compram arte aleatoriamente sem saber o que estão adquirindo, pelo simples prazer do exibicionismo e não da contemplação, e o acúmulo de bens só tem feito aparecer uma nova geração de jovens totalmente inversos à realidade (vide alguns “boyzinhos” que ainda circulam na cidade que têm sempre na ponta da língua frases como “você sabe com quem está falando?”).


Infelizmente, parece que as “previsões” de Lobato ainda estão longe de se concretizar: “... um povo tem que enriquecer, se quer filosofar. Sem dúvida que crescemos mais depressa que o usual entre as nações; e a desordem das nossas almas é devida à rapidez do nosso desenvolvimento... Mas nossa maturidade virá logo; nosso espírito se emparelhará com o nosso corpo e a nossa cultura com nossas riquezas. Talvez que almas maiores do que a de Shakespeare, e mentalidades maiores que a de Platão estejam esperando para nascer. Quando aprendermos a reverenciar a liberdade tanto quanto reverenciamos a riqueza, então veremos na nossa Renascença”.


Ler o que Monteiro Lobato escreveu um 1935 e ver, hoje, uma pessoa miserável que tira comida da boca para dar um celular para uma filha maior e desocupada, nos faz ver que de lá para cá praticamente não houve essa quase utópica evolução espiritual almejada pelos filósofos. Ultimamente tenho andando muito pessimista em relação ao rumo que tudo isso vem tomado, mas espero de verdade que outros Shakespeares, Platões e Lobatos surjam. Mas até isso acontecer, seguimos vivendo nossa Idade Média – e não por opressão por parte de governantes ou da Igreja, mas por vontade própria, o que também é infinitamente irritante.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Cantigas de roda... e as desgraças

AS CANTIGAS DE RODA...
Eu sei que peguei um pouco pesado no título. Na verdade ele foi totalmente inspirado no nome de uma comunidade orkutiana: Cantigas de roda SÃO desgraças.
Faz quase 1 ano que eu rabisquei no meu caderno uma porção de cantigas de roda a fim de apontar, em um texto, como essas musiquinhas aparentemente inocentes carregam em si altas doses de sadismo e inconseqüência. Só que aí começaram a aparecer comediantes de stand up comedies fazendo isso de um modo bem mais interessante e a pipocar várias comunidades sobre o assunto, e acabei engavetando os rabiscos. Além, do que, não é de hoje que se nota como eram maldosas as músicas de roda de antigamente, obviamente que essa descoberta não é mérito meu.


Um dos maiores clássicos das cantigas de roda detona com as aulas de biologia: “... roda, roda, roda, caranguejo peixe é! /Caranguejo não é peixe / Caranguejo peixe é / Caranguejo é só peixe na enchente da maré”. Por favor! Querem que as crianças acreditem que peixe, molusco, cetáceo e crustáceo é tudo a mesma coisa? Ainda no campo das ciências, tínhamos uma cantiga um tanto visionária, que já abordava a modificação genética das espécies vegetais: “Da abóbora faz melão / Do melão faz melancia / Faz doce, sinhá / Faz doce, sinhá Maria”.

Mas se tem um clássico que me revolta é Atirei o pau no gato. Costumeiramente a maioria das pessoas (infelizes) não gosta de gatos, mas incitar uma criança a judiar dos bichanos é covardia: “Atirei o pau no gato MAS o gato não morreu...” – ou seja, ele atirou para matar – “...dona Chica admirou-se com o berro que o gato deu” – o que significa que essa dona Chica era uma omissa porque não socorreu o gato, e uma cínica fingindo admiração por uma reação tão óbvia.

Falando em omissão, na pré-escola cantávamos muito o Marcha Soldado, mas só hoje fui botar reparo no “que” de egoísmo e ditadura na letra: “Marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso no quartel...”- prendem uma pessoa a troco de nada! – “...o quartel pegou fogo, Francisco deu o sinal: acode, acode, acode a bandeira nacional”- os demais soldados que morram queimados, o importante é salvar um pedaço de pano. Com todo respeito à bandeira, mas num momento crítico como esse, ela realmente não passa de um pedaço de pano.

Ainda na esfera da violência, existia a criança que queria matar o avô: “Serra, serra, serrador. Serra o papo do vovô”. Eu cantava isso na casa do meu avô, na maior inocência, achando que o tal papo era uma gíria para conversa (corta a conversa do vovô – sei lá, vai que a conversa do tal vô era meio chata...). E no entanto, hoje há casos de netos que, literalmente, serram não somente o papo dos membros da família.

Temos ainda casos de abuso de autoridade: “Pai Francisco entrou na roda tocando seu violão / Vem de lá seu delegado e Pai Francisco foi para a prisão...” – Coitado de Pai Francisco! Que mal tem, ele participar da roda com o violão? Isso caracteriza perturbação da ordem? –“...como ele vem todo requebrado, parece um boneco desengonçado” – pudera. Deve ter levado uma surra na cadeia. E o ou a tal da Pom-Pom que estimula o vício do fumo? “Pom-Pom, Pom-Pom, aonde vai, Pom-Pom? / Vou à feira / Fazer o que, Pom-Pom? / Comprar cigarro”. Depois de versinhos assim, não deve ter adiantado nada terem censurado a embalagem dos deliciosos cigarrinhos de chocolate da Pan.

Outra muito executada nas brincadeiras de roda e corda era “Lá em cima do piano tem um copo de veneno / Quem bebeu, morreu / O azar foi seu!”. Credo. Isso dá a idéia de uma pessoa completamente indiferente às desgraças alheias, como quem diz: “Ele morreu? Antes ele do que eu”. Fora que quem larga um copo de veneno sob um piano não está nada bem intencionado...

Nos recreios e na casa da minha avó, eu ouvia aquela do tal trem maluco que saía de Pernambuco e ia até o Ceará. Tem um trecho ali que, além de denegrir a imagem das professoras primárias, ainda incentiva a luxúria: “...Minha mãe me pôs na escola para aprender o b-a-ba, mas a danada da professora ensinou a namorar...”- aula que é bom, nada. Só safadeza – “...sete e sete são catorze, com mais sete, vinte e um / Tenho sete namorados mas não gosto de nenhum”. Sete “cabras” enganados por uma namoradeira analfabeta sem sentimentos.


Meu intuito não era parecer amarga demais e, nem de longe eu quis dizer que essas cantigas tão folclóricas sejam terríveis e que possam ter virado a cabeça das crianças. Eu passei a minha infância toda as ouvindo e cantando-as e nem por isso fui na onda da Pom-Pom e fumei, não atirava coisas nos gatos e sempre soube que caranguejo jamais foi peixe. Acho até saudável que crianças – de qualquer geração – tenham contato com elementos tão simples como cantigas de roda e que, apesar de todas as “desgraceiras” das letras, ainda trazem consigo toda aquela inocência que está se perdendo. Esses apontamentos que fiz e que tantos outros já fizeram ou farão, não passam de chistes, brincadeiras ou uma forma metida à engraçadinha de nos trazer à tona lembranças da infância.

Mas uma coisa parece ser fato: embora essas músicas não comprometam o desenvolvimento das crianças, elas refletem, ainda que de modo inconsciente, um traço muito marcante do perfil dos brasileiros – o da indolência, da baixa auto-estima e da servilidade humilhante – já que para que alguma coisa seja feita ou aconteça, é preciso que alguém receba alguma recompensa ou ameaça, como nesse caso: “Sambalêlê ta doente / Ta com a cabeça quebrada / Sambalêlê precisava é de uma boa lambada”. Imagino que Sambalêlê não tinha condições de trabalhar para seu senhor, mas mesmo assim ele ou ela devia cumprir com suas obrigações, nem que para isso tivesse que apanhar. Acredito que essa canção remeta à época da escravidão, e ainda assim, depois de tanto tempo, essa mentalidade de “faz isso ou apanha”, ou “faz isso e você ganha aquilo” ficou tatuada em nossas mentes, ficou adormecida em nosso subconsciente, e em algumas pessoas isso acaba despertando sob a forma de brincadeiras maldosas e preconceituosas ou perversidade pura.

Indolência, arrogância, intolerância e crueldade são heranças péssimas que nem as mais bonitinhas melodias de roda conseguem disfarçar. Se tais cantigas continuarem a ser passadas às próximas gerações – como devem ser, inevitavelmente – não estranhem se um dia nossos filhos e netos repararem nas mesmas coisas que reparamos hoje. Afinal, mais cedo ou mais tarde o encanto se quebra – como o anel de vidro daquela outra canção.

E AS DESGRAÇAS


Lembrei-me disso de novo porque por esses dias um bando de meninas daqui do prédio estava brincando de pular corda (da Coca-Cola, claro), no jardim bem embaixo da janela da sala. E não consegui ignorar a cena porque eu sempre imaginei que crianças paulistanas que vivem em prédios só se entretivessem com os Wii ou X-Box da vida, e que exercitassem só os dedos nos consoles. Ainda bem que eu estava errada. Parei por alguns minutos para ouvir as musiquinhas e elas não mudaram! Essa que as meninas estavam cantando era a mesma que eu ouvia muito nos recreios do Hilmar Machado: “Um homem bateu à minha porta, e eu abri...”. Mas que falta de noção do perigo. Nossos pais sempre nos alertaram para não darmos confiança a gente estranha e essa música vem dizer que uma criança abriu a porta para um homem não identificado.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

SAUDADE ANTES DA PARTIDA




Eu sempre tive a mania (se é que se pode chamar de mania) de sentir saudades de um tempo não vivido. Agora tenho experimentado a saudade antes da partida. Por motivos que nem convém citar, tenho passado uma temporada indefinida em Sampa. Às vezes isso me soa algo bom - como o acúmulo de experiências, aprender a ser mais cara-de-pau, perder o medo de certas coisas, conhecer lugares que sempre tive vontade (como a "Liba"), entrar em contato com diversas vertentes culturais, enfim, por mais difícil que possa se acreditar, a capital tem lá seus momentos felizes. Mas nada, NADA, que se compare com a bênção que é viver "na" Garça.

Estou em São Paulo desde fevereiro, portanto ainda é meio cedo para eu começar a fazer drama a cerca desse tanto de saudades que eu sempre me pego a sentir, porém sempre que posso, estou desembarcando nessa terrinha que eu amo.

E toda vez é a mesma coisa: nos dias que antecedem a partida eu já me pego com aquela melancolia típica. Já me vejo dentro de um metrô cheio e pensando nas tardes de caminhada pelo lago. Toda manhã, assim que abro a janela, dou de cara com um prédio exageradamente feio e cinza, com algumas vidraças quebradas, com aspecto de abandono, mas que ainda assim é uma igreja - não sei qual, hoje são tantas... A rua é triste, quase não há verde. Em Garça, quando abro a janela pela manhã, encaro muitas árvores, flores, maritacas e não fico nem um pouco receosa de encher os pulmões de ar.

Sinto falta do jeito amistoso das pessoas. Dizem que o mal de Garça é todo mundo se conhecer, pelo menos de vista. Todo mundo sabe da vida de todo mundo. Claro que por um lado isso é um grande inconveniente, mas a indiferença aguda dos paulistanos é uma das piores coisas que experimento todos os dias. As pessoas se acotovelam e se atropelam nas conduções e nas ruas e nem se dão ao trabalho de pedir desculpas. Me advertiram que não é bom olhar as pessoas nos olhos, isso intimida e sugere que você não está bem intencionado.

Aqui, o acolhimento é notório. Em qualquer lugar que eu vá, me sinto segura.
Lógico que é até covardia querer comparar o ritmo e o estilo de vida da capital com a daqui. Não quero comparar mesmo. Afinal, não há o que se compare à sorte de ter nascido e crescido nessa terra. Amo tudo aqui e não há um dia somente em que eu não pense em voltar.
Já está chegando o dia de encarar Sampa e eu já começo a contar os dias para retornar à Garça.

Sem mais. Até uma nova crise de saudades... =~(

terça-feira, 8 de julho de 2008

Um futebol que não é mais daqui

Na semana passada, eu caminhava com uma amiga pelo lago e um menino nos perguntou: “Vocês são daqui?”, e ela respondeu que sim. Mas ele insistiu, apontando para mim: “Mas ela não é daqui, é?”. Eu não sei se esse “daqui” quis dizer Garça ou Brasil, já que eu vestia a camisa da seleção de Portugal. Será que depois de tanto tempo, ainda causa estranhamento nas pessoas o fato de alguém vestir o brasão de outro país? Não digo apenas pela velha e batida questão da globalização, mas pela estima que se possa ter por algo que não seja necessariamente nacional.


O caso é que, só porque sou brasileira, não implica que eu tenha que morrer de amores pela nossa seleção. Isso em fiz em 1994. Acho que me contaminei pelo espírito que pairava no ar naquela época, em que só se respirava a esperança de finalmente ver o Brasil ser campeão depois de 24 anos. Todos diziam que minha geração ia ver, pela primeira vez, o país levantar a taça, o que fazia nossa ansiedade crescer.


Em 1994 eu estava na 8º série e em praticamente todas as matérias tínhamos que fazer trabalhos relacionados à Copa, o envolvimento era enorme. Alguns amigos e eu nos reuníamos na casa de minhas primas para assistir aos jogos e depois descíamos no lago para comemorar as vitórias magras de nossa seleção. Lembro-me nitidamente do sofrimento que foi passarmos pela Suécia e pela Holanda, além do joguinho meia-boca contra os Estados Unidos, donos da casa. Creio que o jogo mais tranqüilo deve ter sido o de estréia, contra a Rússia.


Confesso que criei na minha mente a imagem de um time imbatível, de tanto que se falava no poderio da seleção. Mas a Era de Pelé já havia passado. Em 94 tínhamos um tal de Romário (que justiça seja feita, não fosse a sua desviada providencial, Branco não teria feito o gol que permitiu ao Brasil passar pelo Carrossel Holandês e que graças ao seu passe preciso, Bebeto marcou nosso único gol contra os norte-americanos) que curtia mesmo era uma banheira; além do badalado Leonardo que deu uma cotovelada maldosa em um jogador dos Estados Unidos e não pôde mais jogar, ou Zinho, ídolo no Palmeiras, mas que na Copa foi apelidado de enceradeira. Só que, independente de algumas atuações um tanto irregulares, essa foi a Copa que mais me marcou. Pela ansiedade, pelo nervosismo, pelos rompantes de alegria – afinal, eu era uma adolescente, estava mais interessada na bagunça pós-jogo.


Porém, analisando hoje, lendo e ouvindo, pode-se dizer que, comparada às anteriores, essa foi uma das atuações mais sem-vergonhas da seleção. Não mais do que as de 1998, 2002 e 2006. Em 98 o entreguismo foi escancarado. Em 2002, apesar de estarmos com Scolari no comando e Marcos no gol (me refiro a eles por ainda serem um dos poucos profissionais do futebol que eu ainda admiro), a competição no teve o mesmo “charme” de antes. Confesso que no jogo contra a China eu cheguei a torcer pelos chineses, por alguns instantes; e cochilei no jogo contra a Inglaterra, tamanha a pasmaceira. Em 2006 eu não vi a nossa seleção, ela entrou e sumiu e eu nem notei. Enquanto tanta gente apostava numa revanche contra a Alemanha, eu prestava mais atenção na seleção portuguesa, atrevida e corajosa. E diante da indolência e do excesso de auto-estima de nossos – mais que bem pagos – jogadores, passei a acompanhar a campanha lusitana até o final, quando ela foi, infelizmente, interrompida pelos italianos. De qualquer modo, me impressionei e me surpreendi da melhor maneira possível com o time português, ou como eles chamam, a “Família”.


Mas a que se deve esse triste fenômeno da seleção brasileira, de ir descendo a ladeira cada vez mais? Muita gente dá palpites em futebol, uns mais errados que outros, então também vou dar o meu. Tenho uma teoria que, não sei se faz muito sentido, mas andei pesquisando e alguns dados comparativos acabaram por me convencer de que o número exagerado de jogadores “estrangeiros” convocados atrapalha o desempenho da seleção.


Nas Copas de 58, 62 e 70 não havia nenhum jogador de fora (até porque a incidência de atletas vendidos para o exterior era menor) e o Brasil levantou a Jules Rimet com placares folgados nas finais: em 58, Brasil 5X2 Suécia; em 62, Brasil 3X1 Tchecoslováquia e em 70, Brasil 4X1 Itália. Quando, hoje, o Brasil tem cacife para marcar 4 gols em cima da Itália?


Em 1994, ano do nosso tetra, a Esquadra Azurra quase nos barra. A seleção brasileira dessa vez era mista: contava com 11 jogadores de times nacionais (4 do São Paulo, 2 do Palmeiras e 1 de Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense e Vasco). A outra metade vinha da Europa e da Ásia (2 do Deportivo La Coruña e 1 do Barcelona, Bayern de Munique, Bayern Levenkusen, Bordeaux, Paris St-Garmain, Reggiana, Roma, VFB Stuttgart e Shimizu).


Quando vejo os VT´s das décadas passadas, a seleção brasileira parecia passear em campo, no sentido de mal tomar conhecimento do time adversário. Hoje ela também parece passear, mas no sentido de não se encontrar, de não tomar conhecimento de si mesma. A meu ver, a paixão que havia pela seleção não é mais como antes fora. A vinda de tantos “estrangeiros” parece causar desentendimentos no gramado, os atletas trazem os vícios das equipes européias e asiáticas, formando um enorme vitral de estilos em total desacordo. Hoje os meninos sonham em ser jogadores, não para levarem as cores da nossa camisa pelo mundo, mas para serem adorados no Arsenal, Real Madrid, Manchester... Essas são suas novas seleções.


O Dunga, coitado, foi posto como técnico, pela CBF, somente para virar chacota da torcida. Quando vaiados, no jogo das eliminatórias contra o Paraguai, ele e Jorginho comentaram: “esse povo devia era bater palmas pra gente” – penso sim que eles deveriam bater palmas para a geração deles, e não para essa que, (mal) acostumada às palmas lá fora, acaba por se tornar mimada, indolente e egoísta, jogando cada um por si e não em nome do país.

sábado, 7 de junho de 2008


MULHER PARA TODOS OS GOSTOS - E MAUS GOSTOS


Mulher-Melancia. Essa era a gota que faltava para que eu realmente perdesse a paciência e resolvesse escrever a respeito das mulheres. Relutei tanto em falar sobre esse assunto, porque penso que outras pessoas já o fizeram, portanto ele se esgotou. Mas quero a minha parte nesse quinhão. Quero a minha fatia nesse bolo de expressar que, enquanto mulher, me sinto diminuída diante da supervalorização dessas novas mulheres que mais parecem vacas holandesas. Com todo respeito às vaquinhas. E antes que me venham dizer que faço isso por puro despeito ou inveja, já alerto que aí está o engano. Se eu tivesse que ter inveja, ou melhor, se tivesse que escolher outras mulheres como modelo de conduta, beleza, retidão, inteligência e elegância, certamente essas mulheres-frutas estariam de fora da lista. Além da minha mãe – a primeira e grande mulher da minha vida – e das despojadas imigrantes (portuguesa e italiana) da minha família, existem inúmeros exemplos, de todas as épocas, que admiro e que, de fato, dão orgulho à classe: a pureza e abnegação de Santa Clara, a dedicação de Madre Teresa, a coragem de Joana D’Arc, a audácia de Maria Quitéria, a convicção de Olga Benário, a beleza cândida de Audrey Hepburn, a intensidade de Florbela Espanca, o espírito inovador de Tarsila, o pioneirismo de Marie Curie, o pulso firme de Margareth Tatcher, a sensibilidade de Cecília Meireles. Fora as tantas anônimas com as quais dou de cara todos os dias cá em São Paulo, sempre andando depressa com medo de perder a condução, cochilando como podem nos espaços apertados do metrô, indo ou vindo de mais uma jornada puxada de trabalho.

Não que eu diga que mulheres plastificadas e esculpidas nas mesas de cirurgia também não trabalhem. Trabalham sim. Trabalham as coxas, os glúteos, o peito, os bíceps... E no fim se esquecem de contratar um bom professor de português para não nos causar vergonha alheia quando dão entrevistas. O fato é que já me cansei de ver, praticamente em toda parte, o lombo da Mulher-Melancia, reportagens sobre a sua (muy interessante) vida, quais seus projetos para o futuro (jornalistas de fofocas adoram essa expressão. Será que não se tocam da ridiculice da pergunta? Se é projeto, é claro que tem que ser para o futuro? Alguém já elaborou algum projeto para o passado?), em quantas revistas ela apareceu pelada, para quando é o seu cd. É... ela está preparando um cd! Esses dias ela deu uma declaração de que está para lançar um cd só que ainda não sabe exatamente quais as músicas, nem qual o estilo. Isso é que é profissionalismo!!

Não faz muito tempo, eu estava conversando com um amigo e entramos no assunto de preconceito. Eu, que não sou e nem quero ser santa, disse a ele que não tenho nenhum tipo de preconceito, mas se tem uma coisa que, como dizem os portugueses, “me mete nojo”, são pessoas burras que insistem em ser burras. Mulheres desse naipe são exatamente assim. Não é possível que mulheres da espécie da Melancia não tem consciência de que hoje sua imagem é explorada de todas as formas, de que as pessoas as vêem como mercadoria para a mídia, de que beleza é temporária, de que suas entrevistas são um amontoado de nadas. Nem passamos do meio do ano e já começam a pipocar nos programas de fofocas e nas revistas de futilidades as brigas entre várias ex-modelos, ex-bbb’s, ex-do Ronaldo, ex-sabe-se-la-o-que, para ver quem vai ser a nova rainha da bateria de tal escola de samba. Como eu sei disso? Ora, uma zapeada de nada que a gente dá pelos canais abertos durante dia, basta para ver a quantas chegou a imagem da mulher no Brasil. Uma, com um traseiro do tamanho do de um hipopótamo diz que vai fazer um cd mas não sabe nem do que, outras que gastam mundos e fundos (e pensões de boleiros e pagodeiros) para fazerem plásticas numa competição idiota para ver quem pode se falsificar mais, outras promovem barracos públicos a fim de sair num destaque de escola de samba – passando um ano inteiro de suas vidas medíocres só pensando nuns poucos dias de carnaval.

Gretchen, Rita Cadillac, Carla “I de escola e E de isqueiro” Peres, Ninja do Funk, Bandida, Mulher-Samambaia, Mulher-Melancia, Mulher-Moranguinho, Mulher-Melão, pioneiras do zerismo à esquerda e da completa ausência de talento... Gostaria de saber dos homens, sinceramente, se algum de vocês se casaria com uma delas. Se a resposta for não, então minha teoria está certa de que esse deslumbramento é temporário, que durante o tempo que passam em evidência, essas mulheres não passam de pedaços de carne que abrem a boca só para falar inutilidades e que nada melhor do que uma mulher muito, muito normal do seu lado. Agora, se a resposta for sim, então definitivamente mau gosto não se discute. Se lamenta.

Nessa semana fui ao teatro assistir à comédia As Olívias Palitam. Excelente, com um humor de muito bom gosto. As quatro mulheres que fazem a peça são magrelas (como elas mesmo citam) e que estão à margem do padrão de beleza atualmente estipulado pelas mídias. Mas e daí? Cada uma delas acaba por se tornar belas em conseqüência do talento, do humor, da espirituosidade e da inteligência que possuem. Às vezes eu brinco dizendo que Deus, quando cria as mulheres, ou dá peito ou dá cérebro. Claro que isso é uma grande maldade da minha parte.Mulheres bonitas podem ser inteligentes e vice-versa, mas o que me irrita é essa corrida tresloucada da mulherada pela beleza a qualquer custo. Não estamos vivendo na Grécia antiga, onde os considerados imperfeitos eram descartados. Não faz sentido ver mulheres até se endividando em nome da vaidade. Isso porque devem ter como espelhos essas “frutas” que estão na moda, mas que daqui uma década elas serão as “famosas quem?”. Diante disso, tem momentos em que chego a pensar: “maldita hora em que aquelas feministas queimaram sutiãs nas ruas!”. De uns anos pra cá, as mulheres conseguiram praticamente tudo que almejavam, mas por outro lado, parece que estamos voltando ao ponto de onde partimos: a tentativa de resgatar o respeito que essas viciadas em silicone estão fazendo questão de pôr abaixo.

Mais uma vez faço questão de esclarecer para os que ainda acham que escrevo isso por inveja: entre ser estonteantemente bela e ser uma típica nerd, eu fico com a segunda opção, pois sei que quando eu ficar velha só vou poder contar com os conhecimentos que acumulei durante a vida e não com os olhares e elogios que eu poderia ter ganhado, mas que em nada acrescentariam.

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foto: Florbela Espanca - poetisa portuguesa

terça-feira, 29 de abril de 2008



A ADVOGADA DO TROVADOR



Quem é, entre dez, o quinto pior letrista do mundo da música? Renato Russo. Pelo menos é o que dizem as mentes brilhantes da MTV.
No programa TOP TOP (que sempre elege os dez mais ou os dez menos da música, cada semana com um tema diferente), o nosso saudoso trovador solitário apareceu nessa lista, quando nesse caso nem deveria ter sido lembrado. Vou fazer as vezes de advogada de Renato Russo (se bem que ele nem precisa, suas obras por si só já são uma boa resposta) primeiro como fã incondicional, e depois porque achei isso realmente uma injustiça.



Muitos consideram as letras do líder da Legião Urbana chatas, enfadonhas, tristes e até ininteligíveis. Até aí, tudo bem, dá pra engolir. Mas acusa-lo de escrever letras de baixa qualidade é o mesmo que assinar atestado de ignorância. Mas o que se podia esperar da ainda americanizadíssima MTV Brasil? Eles juram que buscam fazer uma programação cada vez mais brasileira, mas continuam pichando muitos de nossos artistas. E Renato Russo foi um dos mais influentes. Eu sei que é mais do mesmo dizer isso, mas ele praticamente “hipnotizou” (no bom sentido) uma geração toda. E me incluo nisso. A trilha sonora de minha adolescência foi basicamente toda feita de Legião Urbana. E qual fã de Renato nunca teve a sensação de que, quando ele compunha e interpretava suas letras, ele estava falando diretamente com cada um e sobre cada um de nós?



Renato sabia exatamente como tocar a alma dos jovens, sabia falar o que nós gostaríamos de ter falado – e não era de qualquer jeito, buscando uma rima a qualquer custo ou enchendo lingüiça com intermináveis refrões. Ele representava nossos pensamentos com poesia, com classe, com sarcasmo, com dor, com raiva, com um rancor incontido, com leveza, com carinho. Ele escreveu tudo o que eu adoraria ter escrito. Cada um de suas letras retrata com perfeição as mais diversas situações pelas quais cada um de nós passou ou ainda está por passar.



Renato tinha o dom de falar de dor e desespero (seus e dos outros) sem apelações. Eis alguns exemplos. Em Canção do Senhor da Guerra, ele descreve as barbaridades de um conflito sem sentido dessa forma: “Existe alguém esperando por você / que vai comprar a sua juventude e convence-lo a vencer (...) Uma guerra sempre avança a tecnologia / mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria / Pra que exportar comida? / Se as armas dão mais lucros na exportação (...) E quando longe de casa, ferido e com frio / o inimigo você espera / Ele estará com outros velhos / inventando novos jogos de guerra / e belíssimas cenas de destruição / não teremos mais problemas com a superpopulação (...) O senhor da guerra não gosta de crianças ...”. E enquanto isso, os artistas pop que tanto a nossa MTV badala, se mostram contra as guerras dizendo simplesmente que elas são uma m..., repetindo o que todo mundo fala.



Quando vim para São Paulo e dei de cara com essa paisagem tão discrepante da minha cidade natal, logo me lembrei de uma outra obra de Renato, Música Urbana 2, que com sua levada de blues, exprime com exatidão as cenas típicas de uma metrópole, seja ela qual for: “Em cima dos telhados, as antenas de TV tocam música urbana / Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres cantam música urbana (...) O vento forte, seco e sujo em cantos de concreto parece música urbana / E a matilha de crianças sujas no meio da rua / Música urbana (...) Os uniformes, os cartazes, cinema e os lares, favelas, coberturas, quase todos os lugares / E mais uma criança nasceu / Não há mentiras nem verdades aqui / Só há música urbana”.



Matilha de crianças. Isso parece muito cruel? Mas que outra palavra, que outro substantivo de coletividade retrataria tão bem a situação das crianças marginalizadas das grandes cidades? Pode parecer maluquice, mas penso que Renato Russo chega a dar cor às letras, e essa, definitivamente é cinza. Assim como sinto um profundo azul-escuro (com o perdão do trocadilho) quando ouço Baader-Meinhof Blues, onde ele lembra de como todo o mundo se tornou insensível diante das brutalidades, das mazelas e das tristezas alheias, de como nos fechamos dentro do nosso mundo-apartamento e que as loucuras que acontecem lá fora não nos dizem respeito, até que elas batam à nossa porta: “A violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais / E você passa dia e noite e sempre vê apartamentos acesos / Tudo parece ser tão real / Mas você viu esse filme também (...) Essa justiça desafinada é tão humana e tão errada / Nós assistimos televisão também / Qual é a diferença? (...) Todo mundo sabe, ninguém quer mais saber / Afinal amar o próximo é tão démodé”.



Mas para que não digam que Renato escrevia só sobre tragédias e o lado omisso das pessoas, ele também descrevia as relações de amor, com maestria. E eu tenho certeza de que muitos jovens da minha geração que ouviam Legião Urbana já escreveram ou pensaram em escrever alguma cartinha de amor com alguns trechos de suas letras. Acho impossível que nenhum adolescente dos anos 80 e 90 não tenha se apaixonado, desapaixonado, sentido a dor da saudade, do ciúme do de um fora ou a alegria de ser correspondido, ao som de músicas tão suaves como Giz: “...desenho toda a calçada / acaba o giz, tem tijolo de construção / Eu rabisco o sol que a chuva apagou / Quero que saibas que me lembro / Queria até que pudesses me ver / És parte ainda do que me faz forte / E pra ser honesto só um pouquinho infeliz...”.



Nesse pedaço, Renato faz uso de uma doce metáfora para dizer que muitas vezes ninguém é insubstituível e que sempre haverá alguma outra pessoa por surgir em nossas vidas que pode – ao menos tentar – nos fazer sarar de desilusões passadas. Pelo menos foi isso o que captei. Aliás, uma das qualidades das letras de Russo é nos dar a chance de viajar nas várias possibilidades de interpretação, é a liberdade que ele nos dá de escolhermos a “moral de história”, essa é a magia da subjetividade, um dom que somente letristas de verdade possuem.



E uma das letras que mais gosto (apesar de que é uma missão impossível decidir qual é a melhor) é de Maurício, que expressa todas as dúvidas, medos e desejos de um amor inconstante e rancoroso: “Já não sei dizer se ainda sei sentir / O meu coração já não me pertence / Já não quer mais me obedecer / Parece agora estar tão cansado quanto eu / Até pensei que era mais / Por não saber que ainda sou capaz de acreditar / Me sinto tão só / E dizem que a solidão é que me cai bem...”.



Acho que devo encerrar minha defesa por aqui. Na verdade Renato Russo nunca precisou de quem o defendesse, na qualidade de artista. Assim como tantos outros, eu não passo de uma admiradora eterna do legado que ele nos deixou, então, mais que uma defesa, eu deixo aqui meu protesto. E nesse tribunal, não cabe a nenhum de nós julgar os méritos ou as faltas de Renato. Apenas lamentar que letristas como ele sejam motivo de chacota e que boa parte da juventude de nosso país cresça resumindo sentimentos como o amor em uma única palavra: créu.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

O DIA EM QUE A TERRA PAROU

Bem, a Terra não parou, mas São Paulo sim. Parou por algumas horas, já que paulistano não pára para quase nada. Por esses dias, na capital, não se falou em outra coisa (além do crime da menina arremessada pela janela) que não fosse o terremoto. Os noticiários de todas as emissoras de TV não paravam de comentar esse assunto, mostravam como as pessoas dos diferentes bairros reagiam, como fizeram para escapar dos prédios, o que estavam fazendo naquele momento, a explicação dos sismólogos, as conseqüências do tremor de terra, como o Brasil não está preparado para tal evento, etc, etc, etc.

A exploração a cerca disso foi tanta, que cheguei a pensar que as TV’s estivessem sofrendo do mal da falta de assunto. Pois, sinceramente, eu não vi nada demais nisso. Eu! Justo eu, uma “caipira” recém-chegada a São Paulo! Cheguei aqui na capital um dia antes do terremoto, e, como não podia ser diferente, voltamos a encarar a overdose do Caso Isabella. Como no interior existem as programações regionais, as pessoas não chegam a achar que o assunto desse crime já virou um lugar-comum, mas cá em Sampa, essa história já virou praticamente um mantra. Até que aconteceu o tremor de terra para que a agenda dos telejornais mudasse.

Mas não sou tão insensível a ponto de pensar que um terremoto na capital do Estado (assim como em outras diversas partes do Sudeste e Sul) seja banalidade, até mesmo porque isso é uma coisa que não se vê (nem se sente) todos os dias. Os sismólogos afirmam que sofremos abalos de terra diariamente, mas que são imperceptíveis. Um como este, da última terça-feira, não ocorria há cem anos.

E eu vivi para presenciar um terremoto no Brasil! Mas como eu disse, isso em nada me impressionou. Aliás, eu me impressionei pelo fato de não ter me impressionado! Tanto que achei até besteira escrever sobre isso. Quem me deu um empurrãozinho foi meu amigo Fagner Sitta. Talvez ele tenha achado interessante que se expusesse o ponto de vista de uma “garciana” a esse respeito. Afinal, quando é que nossa tranqüila e saudosa Garça vai sofrer um abalo sísmico?

Para começo de conversa, quando a tremelicação começou, eu imaginei que pudesse ser qualquer coisa, menos o que realmente foi. Estava eu, no terceiro andar de um prédio, no famoso bairro do Brás (reduto de corintianos, mas isso é assunto para uma outra conversa), sentada no sofá, jantando e esperando pela novela. Quando senti o discreto vai-e-vem, pensei que pudesse ser algum veículo muito pesado passando lá em baixo, algum grupo de crianças doidas brincando de pular aqui à nossa porta, que eu estivesse começando a passar mal, ter tonturas ou algum acesso de labirintite, ou até, vejam que absurdo: que eu estivesse exagerando na pressão da mastigação! Pensei nas coisas mais descabidas. Achei um pouco de graça, e voltei numa boa para o jantar. Achei idiotice comentar com a minha prima – com quem estou morando agora – e ela achou o mesmo (estávamos em cômodos separados quando isso aconteceu). Só mais tarde, numa das chamadas do Jornal da Globo é que fomos saber do que se tratara aquela balançadinha. Minha reação, ao contrário da maioria (tenho certeza) foi rir. Sei que é até um pecado rir numa situação assim, já que teve muita gente que se assustou de verdade, pessoas idosas tiveram que sair correndo de suas casas, paredes de hospitais apresentaram rachaduras, enfim. Isso não foi uma piada. Mas achei graça em ver como os paulistanos se apavoraram diante de um fenômeno da natureza. Acredito que deve ser a falta de ter com que se impressionar. Todos os dias os paulistanos nativos ou os recém-chegados, como eu, dão de cara com uma cidade cheia de contrastes, com prédios bem apanhados cercados por favelinhas (tal como na abertura de Duas Caras), crianças mal vestidas perambulando tarde da noite, travestis zanzando pelas esquinas, o tráfego cada vez mais alucinante, o sufoco para se conseguir entrar num metrô, a volta infernal de cada feriado – seja do interior ou do litoral, como alguns minutinhos de chuva podem transformar algumas ruas em rios, os clássicos medos de assalto e seqüestro relâmpago, a consciência de que não se pode confiar em qualquer pessoa (carinhas bonitas e um terno alinhado também podem enganar), estacionar o carro e não ter certeza se ele vai estar no mesmo lugar depois, flanelinhas mercenários, malabaristas de sinal, pichadores, trombadinhas, ar sujo, indiferença, pressa, pressa, muita pressa. Talvez isso tudo tenha feito com que os paulistanos tenham ficado anestesiados quanto às mazelas da sociedade e passem a se impressionar com os sinais da natureza.

Uma quaresmeira que desabrocha numa avenida, uma hortinha plantada numa sacada, uma maritaca que aparece entre os fios dos postes, tudo isso que para nós no interior parece tão corriqueiro, aqui vira notícia. Acho que fenômenos da natureza não causam espanto para pessoas que sempre viveram em cidades pequenas, bonitas e cercadas de verde. A natureza me fascina em todos os aspectos e provavelmente por isso mesmo esse episódio do terremoto não me deu um pingo de medo. O que me assusta ainda é estar encarando essa cidade enorme, cinza, ora encantadora, ora repulsiva. Mas que, apesar de tantas coisas, não se pode negar, uma cidade que tem de tudo. Não foi preciso que eu estivesse em países como Japão ou Chile para experimentar um tremor de terra. São Paulo até nisso se mostra cosmopolita. Em todos os sentidos.

quinta-feira, 6 de março de 2008

MAIS 4 ANOS DE FARRA NA TERRA

O mundo vai acabar. Acho que disso muita gente desconfia, mas e a data? Dessa vez parece que vamos para o andar de cima – ou de baixo – no dia 21 de dezembro de 2012. Fiquei surpresa quando li isso, sem querer, procurando por sinopses de documentários na TV paga. Na semana passada o The History Channel exibiu mais um episódio da série “Decifrando o Passado”, desta vez falando sobre os “novos” palpites sobre o fim dos nossos dias na Terra. As teorias vêm de várias fontes, como o calendário maia, a Bíblia e o oráculo chinês. Na verdade fiquei mais irritada por ter perdido o documentário do que com a chegada do fim do mundo.

De acordo com a Wikipedia (um tipo de enciclopédia virtual super resumida para preguiçosos), o caso é o seguinte: “No dia 21 de Dezembro, final do Calendário maia, há rumores que haverá o Apocalipse ou juízo final. Os rumores indicam que a Terra e o Sol se alinharão com o centro da Via Láctea, onda há um enorme buraco negro, com isso o eixo da Terra mudará e o clima irá mudar, haverá muitos terremotos, enchentes e outras catástrofes. Cientistas já confirmaram que o alinhamento realmente acontecerá, só resta saber se o mundo irá mesmo entrar no juízo final”.

Aliás, até hoje eu tento entender que fascínio é esse que o juízo final exerce sobre as pessoas. É uma mistura de medo com um prazer estranho e curiosidade. Lembro que minha avó contava que já na sua juventude havia esse temor/encantamento por tal assunto. Já chutaram inúmeras vezes a data do último dia e numa dessas, um avião a jato cruzou o céu deixando aquela característica trilha de fumaça no céu. Pronto, o pânico estava instalado! Minha avó disse que muita gente se assustou, inclusive ela – aviões a jato eram ainda novidade, eram praticamente desconhecidos. Já saíram por aí falando que o céu estava se rasgando. Eu acho que as pessoas gostam de ter medo, deve haver alguma satisfação misteriosa no frenesi generalizado.

De tanto assistir reportagens a esse respeito, confesso que me deixei impressionar também, e já sonhei (ou melhor, “pesadelei”) várias vezes com o fim do mundo, com aquela cena clássica de um céu avermelhado de onde caíam enormes bolas de fogo, pessoas correndo apavoradas; um vendaval empoeirado, seco e quente levantava carros e destelhava casas... Se o juízo final vai realmente ser desse jeito, eu não sei, só sei que já vi essa cena demais e não estou a fim de ver ao vivo. Além disso, para que temer tanto o final dos tempos? Ainda temos mais quatro anos para aproveitar. E isso de dizer que quatro anos passam depressa é relativo: dentro desse tempo dá pra fazer uma faculdade, aprender novos idiomas, viajar bastante, fazer novos amigos, morrer de amor e dar a volta por cima, adotar um animal perdido, fazer trabalho voluntário, renovar a fé em Deus (ou seja lá qual for o nome que você queira que Ele tenha), escrever pelo menos uma poesia, descobrir qual o seu signo ascendente, passear sob a chuva, fazer luau, finalmente perceber que dinheiro não compra tudo, fazer uma tatuagem, perder a vergonha de dançar, reencontrar amizades do passado, ter a coragem de trocar um emprego rentável mas monótono pela carreira dos nossos sonhos – ainda que os lucros não sejam aquelas maravilhas, entender as loucuras de Nietzsche, formar uma nova família... Dá pra se fazer tudo aquilo que nos dê a impressão de que essa conversa de fim de mundo não passe de pura especulação.

Talvez as pessoas precisem acreditar que um dia todo mundo será julgado, como se fosse em um tribunal; que Deus, lá do alto de sua magnitude, vai apontar o dedo no nosso nariz e jogar na nossa cara todos os nossos deslizes, nossas faltas, omissões e pecados e, em seguida, vai nos aplicar castigos crudelíssimos. Não confundam! Esse não é Deus, é Zeus. Não precisamos ficar imaginando e temendo que no dia 21 de dezembro de 2012, ou seja lá que dia for, todos nós vamos presenciar o mundo se acabar. Não creio que sejamos julgados e condenados especialmente nesse dia. Somos testados a todo instante, todos os dias temos chances de nos fazer melhor. Não precisamos esperar o fim do mundo se aproximar para sermos bonzinhos e nos arrepender daquilo que fizemos ou deixamos de fazer. E tem mais: todo bonzinho é tonto. Tirem o “zinho”, sejamos simplesmente bons.
Além do que, a Terra não vai morrer de morte súbita. Ela está morrendo lentamente. Não vai ser de morte “morrida”, vai ser de morte “matada”.