quinta-feira, 24 de abril de 2008

O DIA EM QUE A TERRA PAROU

Bem, a Terra não parou, mas São Paulo sim. Parou por algumas horas, já que paulistano não pára para quase nada. Por esses dias, na capital, não se falou em outra coisa (além do crime da menina arremessada pela janela) que não fosse o terremoto. Os noticiários de todas as emissoras de TV não paravam de comentar esse assunto, mostravam como as pessoas dos diferentes bairros reagiam, como fizeram para escapar dos prédios, o que estavam fazendo naquele momento, a explicação dos sismólogos, as conseqüências do tremor de terra, como o Brasil não está preparado para tal evento, etc, etc, etc.

A exploração a cerca disso foi tanta, que cheguei a pensar que as TV’s estivessem sofrendo do mal da falta de assunto. Pois, sinceramente, eu não vi nada demais nisso. Eu! Justo eu, uma “caipira” recém-chegada a São Paulo! Cheguei aqui na capital um dia antes do terremoto, e, como não podia ser diferente, voltamos a encarar a overdose do Caso Isabella. Como no interior existem as programações regionais, as pessoas não chegam a achar que o assunto desse crime já virou um lugar-comum, mas cá em Sampa, essa história já virou praticamente um mantra. Até que aconteceu o tremor de terra para que a agenda dos telejornais mudasse.

Mas não sou tão insensível a ponto de pensar que um terremoto na capital do Estado (assim como em outras diversas partes do Sudeste e Sul) seja banalidade, até mesmo porque isso é uma coisa que não se vê (nem se sente) todos os dias. Os sismólogos afirmam que sofremos abalos de terra diariamente, mas que são imperceptíveis. Um como este, da última terça-feira, não ocorria há cem anos.

E eu vivi para presenciar um terremoto no Brasil! Mas como eu disse, isso em nada me impressionou. Aliás, eu me impressionei pelo fato de não ter me impressionado! Tanto que achei até besteira escrever sobre isso. Quem me deu um empurrãozinho foi meu amigo Fagner Sitta. Talvez ele tenha achado interessante que se expusesse o ponto de vista de uma “garciana” a esse respeito. Afinal, quando é que nossa tranqüila e saudosa Garça vai sofrer um abalo sísmico?

Para começo de conversa, quando a tremelicação começou, eu imaginei que pudesse ser qualquer coisa, menos o que realmente foi. Estava eu, no terceiro andar de um prédio, no famoso bairro do Brás (reduto de corintianos, mas isso é assunto para uma outra conversa), sentada no sofá, jantando e esperando pela novela. Quando senti o discreto vai-e-vem, pensei que pudesse ser algum veículo muito pesado passando lá em baixo, algum grupo de crianças doidas brincando de pular aqui à nossa porta, que eu estivesse começando a passar mal, ter tonturas ou algum acesso de labirintite, ou até, vejam que absurdo: que eu estivesse exagerando na pressão da mastigação! Pensei nas coisas mais descabidas. Achei um pouco de graça, e voltei numa boa para o jantar. Achei idiotice comentar com a minha prima – com quem estou morando agora – e ela achou o mesmo (estávamos em cômodos separados quando isso aconteceu). Só mais tarde, numa das chamadas do Jornal da Globo é que fomos saber do que se tratara aquela balançadinha. Minha reação, ao contrário da maioria (tenho certeza) foi rir. Sei que é até um pecado rir numa situação assim, já que teve muita gente que se assustou de verdade, pessoas idosas tiveram que sair correndo de suas casas, paredes de hospitais apresentaram rachaduras, enfim. Isso não foi uma piada. Mas achei graça em ver como os paulistanos se apavoraram diante de um fenômeno da natureza. Acredito que deve ser a falta de ter com que se impressionar. Todos os dias os paulistanos nativos ou os recém-chegados, como eu, dão de cara com uma cidade cheia de contrastes, com prédios bem apanhados cercados por favelinhas (tal como na abertura de Duas Caras), crianças mal vestidas perambulando tarde da noite, travestis zanzando pelas esquinas, o tráfego cada vez mais alucinante, o sufoco para se conseguir entrar num metrô, a volta infernal de cada feriado – seja do interior ou do litoral, como alguns minutinhos de chuva podem transformar algumas ruas em rios, os clássicos medos de assalto e seqüestro relâmpago, a consciência de que não se pode confiar em qualquer pessoa (carinhas bonitas e um terno alinhado também podem enganar), estacionar o carro e não ter certeza se ele vai estar no mesmo lugar depois, flanelinhas mercenários, malabaristas de sinal, pichadores, trombadinhas, ar sujo, indiferença, pressa, pressa, muita pressa. Talvez isso tudo tenha feito com que os paulistanos tenham ficado anestesiados quanto às mazelas da sociedade e passem a se impressionar com os sinais da natureza.

Uma quaresmeira que desabrocha numa avenida, uma hortinha plantada numa sacada, uma maritaca que aparece entre os fios dos postes, tudo isso que para nós no interior parece tão corriqueiro, aqui vira notícia. Acho que fenômenos da natureza não causam espanto para pessoas que sempre viveram em cidades pequenas, bonitas e cercadas de verde. A natureza me fascina em todos os aspectos e provavelmente por isso mesmo esse episódio do terremoto não me deu um pingo de medo. O que me assusta ainda é estar encarando essa cidade enorme, cinza, ora encantadora, ora repulsiva. Mas que, apesar de tantas coisas, não se pode negar, uma cidade que tem de tudo. Não foi preciso que eu estivesse em países como Japão ou Chile para experimentar um tremor de terra. São Paulo até nisso se mostra cosmopolita. Em todos os sentidos.

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