sexta-feira, 29 de junho de 2007

MEU LIVRO DE JUNHO

O mês já está no final e eu ainda não havia postado nenhum comentário sobre livros. Cometi o pecado da preguiça, mas como hoje é dia de um santo, espero que ele me perdoe. Afinal, hoje o dia é de São Pedro - se bem que ele vai ter que me perdoar de novo, já que hoje vim falar de um colega seu: São Francisco de Assis. Ou como chamo carinhosamente: São Chico.

Tenho mencionado seu nome algumas vezes em certos textos meus e hoje, boa parte do que eu sei sobre ele, tirei do livro de Inácio Larrañaga. O autor conta a vida de São Chico, desde quando ele era ainda simplesmente Francisco Bernardone, um moço comum, rodeado de amigos tão boêmios quanto ele. É muito gostoso poder acompanhar as transformações pelas quais Francisco passou até se tornar o Homem do Milênio - o texto passeia pela sua juventude, suas diferenças com o pai, suas dúvidas, seus momentos de reflexão e conversas com Deus, seu amor pela natureza e pelos pobres, seus medos e sua imensa sabedoria e bondade. Há também algumas passagens sobre (Santa) Clara, uma amiga muito especial de Francisco.

Acredito que a história de São Francisco é recomendável até mesmo para quem não é devoto, nem religioso. Mais do que religião, sua história tem a ver com o lado mais bonito da alma humana.

O Irmão de Assis
Autor: Inácio Larrañaga
Páginas: 400
Edições Paulinas

segunda-feira, 25 de junho de 2007

DIVAGANDO SOBRE ÁRVORES

Para compor uma nova crônica, peguei um livro de Lima Barreto, porque tinha a certeza de que ele me inspiraria. Feito. O livro é uma coletânea de textos desse nosso “mulato de todos os tempos”, e uma de suas crônicas, “O cedro de Teresópolis”, é uma das provas de que as letras e a natureza casam perfeitamente. Não estou julgando ou desmerecendo os demais, mas todos os amantes das letras e poesias têm uma ligação maior e diferente com a natureza – provavelmente pela sua já sabida sensibilidade, que muitos confundem com frescura e falta do que pensar.

Enfim, “O cedro de Teresópolis” me encantou e me fez, automaticamente, tecer um paralelo com algumas árvores de Garça. Lima Barreto conta que um amigo seu ficara indignado quando soube que um comerciante pretendia cortar um cedro centenário, que já estava lá, adulto, antes mesmo do nascimento de Teresópolis. O cedro estava na propriedade desse comerciante, ele, portanto, até que teria o direito de corta-lo, mas a árvore era uma das poucas que restavam naquela rua, era um cedro histórico, não incomodava ninguém. Afeiçoado ao cedro, o amigo de Lima propôs ao sujeito, a compra de seu terreno. Mas, infelizmente, suas posses modestas – já que ele também era um poeta – estavam aquém do que o homem pedia como pagamento.

Não se sabe o que se deu, mas certamente o cedro veio abaixo. Lima Barreto lamenta e, já naquela época, 1920, destaca o mau gosto de certas pessoas pela cara totalmente urbana que se estava dando à paisagem, e seu desprezo pela natureza. Como é sabido, Lima viveu no Rio de Janeiro, lugar onde, antigamente, era comum haver casas com aspecto de chácaras, mesmo dentro da cidade, com grandes jardins, pomares, palmeiras e bambuais. Porém, o que ele notava e desgostava, era o pouco caso com a população passou a tratar suas árvores, independente da classe social: “Os nossos arrebaldes e subúrbios são uma desolação. As casas de gente abastarda têm, quando muito, um jardinzito liliputiano de polegada e meia, e as da gente pobre não têm coisa alguma”. Ele lembra que as ruas eram repletas de jasmineiros em cercas, laranjeiras, mangueiras, jaqueiras e até a esquisita fruta-pão: “Os subúrbios e arredores do Rio guardam dessas belas coisas roceiras, destroços como recordações”.

Que diria Lima Barreto, hoje? Nossas áreas verdes ficam cada vez menores e houve um atraso enorme para que grande parte das pessoas se tocasse da importância que as árvores têm. Não apenas agrupadas em florestas e reservas, mas em nossos próprios quintais. Não vou passar um sermão ecologicamente correto nesse texto – pelo menos não hoje. Mas assim como Lima Barreto, apelo para o bom senso estético. O Rio, em sua época, já era uma cidade muito grande e era até compreensível a mudança rápida na paisagem, mas aqui mesmo em Garça percebo a falta de árvores em jardins (nem todos os públicos, mas em muitos particulares) e calçadas. Em algumas ruas, são metros e metros de calçada sem árvores alguma. Convenhamos que toda essa nudez dá um aspecto triste a qualquer lugar.

Lembro-me de ter visto fotos antigas da Praça Pedro de Toledo, onde as copas das árvores, que de tão vastas e juntas, pareciam uma coisa só (não que as quaresmeiras de hoje não agradem). Por que elas foram tiradas de lá, por uma questão de segurança? Afinal, conta-se que a sombra que elas faziam era realmente escura e densa. Seja como for, é uma pena que tenham saído de lá. Lamento também não ter tido tempo de conhecer a famosa aldrava da Praça Tancredo Neves, cantada e lembrada por alguns amigos da APEG e do teatro.

Com algumas exceções (como tudo na vida), alguns jardins de Garça me remetem aos jardins do Rio de Lima Barreto. Algumas poucas polegadas de verde e uma carência óbvia da beleza que as árvores têm. Seria uma questão de praticidade ou puro mau gosto? Já ouvi gente dizer que não quer nem saber de árvores ou qualquer planta em casa porque não quer ver sujeira de folhas. Nesse caso reina a preguiça. Temo só em pensar se todos tivessem essa mentalidade. Hoje vejo que plantas e flores dão lugar a grades de todos os tipos – umas até parecem gaiolas e fazem questão de enfear a rua. Segurança é uma coisa, falta de sensibilidade é outra. Será que tanta grade e quase nada de verde, não causa depressão? Eu não sei, já que afortunadamente sempre vivi cercada de plantas. De algumas poucas até sei o nome, reconheço folhas, flores e aromas, mas o que mais gosto nelas é sua presença, é simplesmente o fato de elas estarem ali.

Quando nasci, meus pais providenciaram uma arvorezinha que crescesse junto comigo. Era tão magrinha quanto eu, mas viveu saudável e graciosa até meus 25 anos. Mas esse gesto foi muito bonito. Ainda hoje existe esse costume, de fazer com que os filhos cresçam junto com uma árvore? Ainda há tempo e preocupação com isso? A resposta é tão rápida quanto conveniente: “sabem como é, a vida hoje anda tão corrida... ninguém tem tempo para plantar nada”. Nem de plantar, nem de contemplar.

Quando eu era criança, existia na rua Coronel Joaquim Piza, uma pizzaria chamada Flamboyant. Em seu terreno havia uma árvore enorme, linda, cheia de vagens carregadas e flores vermelhas – daí o nome da pizzaria. Muitas famílias freqüentavam o lugar, só que os adultos esperavam pelas pizzas e as crianças não queriam saber de descer do flamboyant. Ir àquele lugar, para mim, não era sinônimo de comer, mas sim de brincar naquela árvore. Vinte e tantos anos depois, tenho curiosidade de saber que fim levou aquele gigante varal de flores vermelhas.

Hoje tenho um carinho em particular por uma arvorezinha do lago. Sei que o lago é o lar dos ipês amarelos e, sobretudo das cerejeiras, mas falarei delas com gosto numa outra ocasião. Agora é a vez da tímida pitangueira que vive no terreno onde um dia foi um brejo repleto de taboas. De tanto caminhar por ali, vi aquela pitangueira crescer, florescer e dar frutos – muito gostosos, aliás; vi sua troca de folhagem e já temi algumas vezes que ela sumisse por conta de vandalismo. Sempre que passo por lá, dou uma conferida para ver se há uma ou outra pitanguinha “temporão” disponível, e isso já virou um hábito. Vejo essa pitangueira como se fosse também um pouco minha, não que eu a tenha posto lá, mas porque a vi crescer e por gostar de parar para olha-la, nem que seja por alguns segundos.
Plantar, colher, preservar, observar, contemplar e cantar em versos uma árvore poderia ser algo inerente a todas as pessoas, já que isso – sem querer fazer nenhum trocadilho – semeia em nossas almas apenas idéias e sentimentos positivos. Mas a preguiça, o descaso e o mais puro mau gosto ainda imperam em muitas cabeças. Há uma frase que diz que temos que passar pela vida e ter filhos, escrever um livro e plantar uma árvore. Só sei de gente fazendo gente. Onde estão os livros e as árvores?

terça-feira, 19 de junho de 2007

SOMOS PROFETAS A PREGAR NO DESERTO

“Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo de um animal e neste dia, todo crime contra um animal será crime contra a humanidade”
(Leonardo da Vinci)

Pensei inúmeras vezes em como começar esse texto. Já ensaiei muito para escreve-lo. Tenho pensado nele há tempo demais. Não que meus escritos sejam a coisa mais aguardada do mundo e que eu precise fazer um certo mistério a cerca deles. Mas é que eu temia ser agressiva ou amarga além da conta ao tocar nesse assunto. Por isso – nessa espécie de desabafo – vou tentar ser direta.

A cerca de dois anos assisti a um documentário que me chocou muito: os maus tratos aos animais em rodeios. Já sabia que isso existia, mas até então nunca havia visto tais cenas. Vi, muda, a reportagem toda. Desde a época do governo Fernando Henrique, quando rodeio passou a ser considerado oficialmente um esporte, que existe uma polêmica crescente sobre como os animais são tratados nesses eventos. Já li e vi muitas entrevistas, debates, gente atacando e gente defendendo tal atividade. Evidentemente que nessas alturas eu já havia pendido para um lado bem definido nessa questão. E não tenho um pingo de vergonha em assumir que chorei ao ver o espancamento de bezerros, cavalos com a boca sangrando, touros levando choque, animais sendo cutucados com lanças por pessoas que riam ao fazer isso. Riam e diziam ao repórter, com a maior calma do mundo, que aquilo era só uma “cosquinha” para que os animais pulassem. Cada vez que me vêem tais imagens à cabeça, sinto um desprezo ainda maior pela raça humana. Ou como diria Mark Twain, adorador dos gatos: pela maldita raça humana.

Como eu disse, temia fazer esse texto, porque eu sabia que em algum momento eu soaria agressiva. Também não quero criar inimizades e nem provocar pessoas com visões diferentes das minhas. Não se esqueçam que a maldita raça humana é feita de diversidades. Sei que ao ser contra rodeios, eu vou bater de frente com muita gente. Não sou contra a festa em sua totalidade, só não concordo que se explorem animais para o divertimento – bem como em circos e parques aquáticos. Também não vou ser cínica e assumo que como carne. Tenho consciência de como os animais são abatidos, isso é extremamente conflitante para quem não é vegetariano, mas creio que alguns animais são sim para alimentar o homem, outros servem de companhia, outros nem deveriam ter contato com seres humanos e JAMAIS nenhum deles deveria ser usado para simples entretenimento. E entendo que no Brasil, pedir para que se pare com rodeios é inútil. A existência de rodeios é um caminho sem volta, já está incorporado na cultura do brasileiro, é uma indústria que movimenta muito dinheiro e gera muitos empregos.

Para que esse texto fosse concebido, pedi a opinião de algumas pessoas, e como manda a lei primeira dos jornalistas, ouvi os dois lados. O de quem defende e o de quem condena. Refleti bastante e parece besteira perder tempo e energia pensando tanto num simples texto sobre animais. Para mim não é besteira porque amo os animais tanto ou até mais do que a muita gente, mas por outro lado, não quero criar divergências nem ser apedrejada por expressar o que penso. Quem me lê agora não imagina o cuidado que estou tendo ao escolher as palavras. Cuidado e esforço, já que fica difícil não ser amarga quando penso não somente em animais pulando de dor em uma arena ou sendo usados na “brincadeira” do laço, mas sendo chicoteados em circos, sendo abandonados em estradas, usados em experiências, contrabandeados, caçados, separados de suas crias, torturados por prazer. Quando eu era criança, era muito comum ouvir histórias de gente que amarrava bombinhas nas caudas de cães e gatos, matava formigas queimadas com uma lupa, atirava pedras em passarinhos e punha sal nas costas dos sapos. Só que depois que cresci, continuei a ter notícias dessas mesmas cretinices. Não tem muito tempo, um conhecido me contou, às gargalhadas, que explodiu o rabo de um gato com bombinhas. Óbvio que nunca mais conversei com essa pessoa e fiz questão de esquecer seu nome. Aprendi que ter raiva do próximo é pecado. Mas eu não sou santa e nem pretendo ser. Tenho raiva sim. Tenho pena também, pois acredito que quem judia de animais para se divertir, deve ter alguma deficiência mental, espiritual, afetiva.

Sou uma apaixonada incurável por gatos. Tenho nesses bichos grandes amigos, companheiros, ouvintes. Atrevo-me a dizer que os gatos despertaram o que há de melhor e o que há de pior em mim. Transmitem-me calma, me despertam curiosidade, me ensinam a ser mais serena, me fazem rir quando brincam; me mostram que independência, liberdade e amor podem conviver juntos sem que um implique na extinção do outro. Como os antigos egípcios, vejo nos gatos, pequenos deuses que nos mostram todos os dias como ainda temos muito que aprender. Já meu lado pior vem à tona quando me lembro de casos de gatos que foram mortos por envenenamento e espancamento. Na verdade não são os gatos que me despertam o lado mau, mas a ignorância das pessoas que acreditam que só porque animais não falam, também não sentem dor. Animais sentem dor no corpo e na alma. Têm depressão, têm traumas, têm medo. Do mesmo modo que uma criança que é espancada, se torna um adulto cheio de complexos, um animal mal tratado e rejeitado vive permanentemente assustado.

O que me abrandou um pouco e me fez pensar muito bem no que escrever foram algumas palavras de São Francisco de Assis. Vejo São Chico muito mais do que um simples padroeiro da Ecologia. Deveria ser padroeiro de tudo o que é avesso às maldades humanas. Ele amava todas as coisas da natureza: sol, árvores, frutas, arbustos, aves, insetos. Chamava o fogo de irmão, as raposas de irmãs. Parava para admirar teias de aranhas, as luzes dos vaga-lumes, os saltos dos gafanhotos e o barulho das cigarras. Tinha nos pássaros uma fiel platéia. Tinha um carinho especial pelas criaturas mais indefesas e de aparência mais feia. No livro “O Irmão de Assis”, de Inácio Larrañaga, existem alguns trechos a esse respeito, sobretudo no capítulo “O bosque e seus habitantes”. Conta-se que certa vez, caminhando pelo bosque, Francisco se deparou com uma teia, onde a aranha lançava-se sobre a mosca, “O Irmão ficou admirado com a destreza da aranha. Poucos segundos depois, invadiu-o uma grande tristeza e não sabia dizer por quê. Sentiu uma aversão profunda pela aranha, levantou a mão para destruir aquela teia maravilhosa, tecida com tanta simetria e beleza. Mas deteve-se e disse em voz alta: ‘Não destruir nada! Não desprezar nada!’. Reprimiu seus sentimentos de aversão e não quis continuar a pensar. Foi embora depressa e com a alma em silêncio, pensando em voz alta: ‘Está tudo bem!’”. Do mesmo modo o Irmão Francisco repudiava as aves de rapina por seus hábitos e os batráquios pelo seu aspecto, mas parava para refletir e observa-los. Via neles a sabedoria com que Deus as havia criado, a partir daí, as tinha em grande conta.

Até mesmo São Francisco, em algum momento, sentiu aversão por alguns animais, mas instantes depois, olhando para eles com ternura e com a consciência de que sua criação era obra divina, passou a ter-lhes carinho e a chamar-lhes de irmãos. Custa-me a entender por que é que tanta gente não consegue fazer o mesmo. Pessoas matam sapos e lagartixas simplesmente porque os acham feios.

Existem algumas correntes religiosas e filosóficas no oriente que dizem que uma pessoa que judia de um animal tem seu castigo na Terra, mais cedo ou mais tarde. Não sei se castigo é exatamente a palavra, mas de alguma forma, a pessoa paga pelo mal que fez. Ao contrário dos ocidentais, os orientais vêem os animais com respeito e reverência. Por isso, ser cruel com um animal tem seu preço; geralmente uma morte lenta, uma doença sem cura, um sofrimento prolongado. Independente de religião, eu creio nisso e já soube de casos dessa natureza, bem próximos a conhecidos meus. Não sou vingativa e nem jogo praga em ninguém, mas poder acreditar nessa compensação é uma das coisas que me confortam. Eu não tenho muito, mas que Deus ou alguém tenha piedade dessas pessoas diminutas e ignorantes, que ainda têm muitas vidas a viver até que aprendam que nada no mundo vale a agonia de um animal.

Outra coisa que me consola é saber que não sou a única a pensar dessa forma. Uma das razões que me levou a escrever esse texto foi a mensagem que recebi de um colega da internet. Disse-me ele que gostaria de formar em Garça um grupo que se envolvesse com assuntos ligados ao meio ambiente e a defesa dos animais. Ainda que leve tempo para juntar pessoas realmente interessadas, não gostaríamos que esse ideal morresse antes mesmo de começar. Esse texto, por enquanto, é o mínimo que eu podia fazer para chamar a atenção de algumas pessoas para a intenção desse grupo, e caso alguém queira – e tomara que queira – ajudar a levar adiante essa idéia, agregar outras propostas e fazer o grupo crescer, o idealizador desse projeto, Zezinho Honório, autorizou-me a divulgar seu e-mail: josehonoriofilho@yahoo.com.br
Por enquanto somos profetas a pregar no deserto – assim como tantos ambientalistas têm sido ao longo desses anos. Individualmente não podemos fazer muita coisa, mas como diz certa música de (mais uma vez) Raul Seixas: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”.