quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mulheres no Brasil Colonial


Antes que se pense o contrário, não se trata de um discurso feminista. Mas de um levantamento no mínimo justo sobre o papel das mulheres no período colonial brasileiro, tanto dentro das casas e das famílias, quanto nas ruas, nas sarjetas, nos campos e nas senzalas.
É um breve relato, sucinto e valioso que descortina o mito de que a mulher era um mero enfeite, peça de troca entre famílias, parideira ou burro de carga de seus maridos e senhores. Até eram. Mas não unicamente isso. Dentro de um contexto desfavorável, nossas mulheres coloniais fizeram muito, foram além do que imaginamos ou aprendemos nos comuns livros de História. Nossas ancestrais também tinham suas armas, seus meios, seus métodos persuasivos, essenciais para sua sobrevivência.

A obra, da historiadora, doutora e escritora Mary Del Priore, analisa, com base nos hábitos, costumes e privações as origens do machismo no Brasil, ainda tão presente em nossa realidade, e mostra que aquela máxima de mau gosto que diz que lugar de mulher é na cozinha não passa de um pensamento paupérrimo. Lugar de mulher é na História.
As mulheres escravas, negras ou índias, “estudando” o modo de agir e pensar de seus senhores, tinham seus métodos para conseguir alguma condição de vida um pouco melhor, ou um pouco menos sofrida, uma vez que a Igreja não permitia os casamentos inter-raciais. Elas eram mais diplomáticas que os homens nas relações pessoais com seus donos e tinham algum poder de convencimento sobre eles para conseguir sua liberdade ou a de seus filhos – bastardos – lhes prestando bons serviços ou suprindo certas carências que o casamento por vezes não proporcionava ao senhor de engenho. A miscigenação do povo brasileiro se deve muito a essa prática.
Assim, temos as mulheres que se mostraram grandes mães, geralmente as mais pobres, cujos companheiros eram negligentes ou inexistentes, o que aumentava ainda mais a sua luta pela vida. Isso ajuda a combater de algum modo, a imagem negativa que se tem dessas mulheres pobres e marginalizadas, tidas como mães ruins que apelavam para o infanticídio ou aborto, que eram vistas desgarradas e promíscuas. Entretanto, seu modo de sobrevivência era resultado de uma sociedade opressora e de instituições omissas. Algumas até chegavam a esses extremos, de matar seus próprios filhos, tomadas de profundo desespero, no auge do abandono.

 
Já as senhoras brancas, as esposas oficiais, eram obrigadas a tolerar a ideia de dividir seus maridos com suas escravas e suportar dentro de sua casa os rebentos, frutos dessas traições, tão constantes e até normais, naqueles tempos.
As relações de afetividade eram discretíssimas, mas havia perseguições por parte das senhoras para com as escravas preferidas de seu senhor, mas nada que fosse tão escandaloso que pudesse macular sua imagem perante os familiares e a sociedade. Mas elas tinham que engolir a seco certos “desaforos”: quando a esposa não podia dar um filho ao marido, o bastardo (negro ou índio) era então reconhecido como legítimo e passava a ser herdeiro dos bens da família.
Naqueles tempos as mães solteiras já se viam na missão de assumir uma dupla jornada de trabalho, a fim de prover o sustento e a liberdade dos filhos: quando não estavam na lida da casa grande, estavam nas ruas com seus tabuleiros de frutas e quitutes. As solteiras, viúvas e “mulheres do mundo” que tinham que assumir o papel de esteio da família e que possuíam algum bem, como gado, se embrenhavam pelas estradas em lombo de burro para negociar seus produtos. Elas eram comumente encontradas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Bahia.

As que iam para as cidades também precisavam se virar e algumas conseguiam escapar da prostituição. As imigrantes portuguesas podiam viver de suas costuras, da venda de doces ou sendo donas de seu próprio estabelecimento – as mais “ousadas” tinham seu comércio e ganharam certo respeito, como foi o caso da taberneira lusitana Maria Mena. As índias eram peça fundamental para a manutenção das tribos, cuidavam da alimentação e das crianças, carregavam os mantimentos e serviam como “presentes” para os portugueses e franceses. Nas cidades ou nos campos, as mulheres que possuíam conhecimento ancestral fitoterápico e que cultivavam ervas em seus quintais, sabiam de suas propriedades e as manipulavam, eram consideradas renomadas curandeiras.
Ainda que a maioria esmagadora não fosse vista como ser pensante na sociedade, fosse analfabeta, politicamente nula e praticamente invisível, sem elas nenhuma dessas estruturas – tribo, colônia, cidade – não teria vingado.
É evidente que a obra é bem mais rica do que essa descrição. É leitura obrigatória para quem, como eu, ama a História do Brasil ou para quem ainda acredita que o país foi feito apenas por grandes homens. O curso da criação da sociedade brasileira foi traçado por grandes mulheres anônimas.

Mulheres no Brasil Colonial – A mulher no imaginário social. Mãe e mulher, honra e desordem. Religiosidade e sexualidade.
Autores: Mary Del Priore
Editora: Contexto
Páginas: 95



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