quinta-feira, 29 de setembro de 2011

História da Filosofia Grega - Os pré-socráticos


Resgate. Essa palavrinha define – bem resumidamente – o que essa obra significa para mim. Depois de alguns anos mergulhada nas leituras obrigatórias do curso de Comunicação Social (que também envolviam filosofia, mas de um modo mais sisudo), esse livro foi um dos primeiros que li logo que me formei e encerrei os estudos técnicos. Luciano de Crescenzo foi, se não me falha a memória, o primeiro autor a me resgatar para o mundo da leitura descompromissada e por prazer. Comecei por filosofia por razões óbvias; o fato de eu amar História (e este tipo de observação já está ficando previsível e chato) e porque acredito que conhecer os pensadores clássicos, especialmente os gregos, deve fazer parte do currículo íntimo de todo mundo. Leitura descompromissada sim, mas essencial para a construção de opiniões, pontos de vista, dialética, raciocínio, argumentação, cultura e até formação de caráter e espírito. Se filosofia clássica fosse besteira, não seria estudada e venerada até hoje; a formação do pensamento, das ciências, da literatura, das artes, o conceito de beleza, o Direito e as leis ocidentais devem muito a esses homens.

E para aqueles medrosos que fogem de filosofia, asseguro que Luciano de Crescenzo usou uma linguagem clara e altamente cativante, como raros autores conseguem fazer. Ele humaniza todos aqueles grandes vultos da História aparentemente intocáveis, as celebridades da época, mostrando-nos que eles também tinham suas manias, seus momentos de arrogância e alguns até eram meio desastrados.

Luciano de Crescenzo, napolitano nascido em 1928 é um multi-artista; formado como engenheiro, exerce os ofícios de escritor, diretor, ator, apresentador de TV, colaborador em jornais, cineasta e acabou por se mostrar um grande pesquisador e historiador. Autor bem sucedido, seus livros já foram traduzidos para 19 idiomas em 25 países, atestando o prazer que se tem em lê-los. Creio que sua trajetória literária se deva ao fato de que esse italiano domina a arte de ensinar enquanto nos distrai, de divulgar uma cultura tão rica e um universo tão fascinante quanto a filosofia grega como quem conta “causos”, com um tom por vezes irônico.

É curioso ver como esses homens tentavam decifrar os maiores mistérios do mundo usando apenas dois instrumentos: suas mentes e a natureza. Não contavam com mais nada nem com tecnologias que reduzissem suas margens de erro ou lhes poupassem tempo. Dedicavam todas as horas que tinham e que não tinham em busca da verdade.

Tales de Mileto, um dos meus pré-socráticos favoritos, que acreditava que a origem da vida se encontrava na água, errou em seus cálculos várias vezes, e ele era um engenheiro! Ele era visto como um esquisito distraído que vivia olhando as estrelas e de tanto fazer isso, acabou caindo em um poço. Era acusado de ver somente as coisas que se passavam no céu e não prestar atenção àquilo que se passava na terra. Mas diante de tantas tentativas e tropeços, ele nunca parou de calcular e nem de adorar o cenário estrelado que ele tinha sob sua cabeça.

Tales, assim como Anaximandro, Heráclito, Xenófanes, Parmênides, Empédocles, Anáxagoras, Demócrito, Protágoras e outros de seus contemporâneos, era um espírito avançado e apegado somente ao conhecimento, por isso cristalizou-se no tempo. Mas Crescenzo os expôs “humanos, demasiadamente humanos”, com o intuito de popularizar a filosofia. Creio que Crescenzo tenha um “quê” de Tales, andando e caindo em poços, na tentativa de fazer da filosofia algo popular. Sabemos que esse campo é um tanto indigesto, mas o primeiro passo foi dado, a filosofia está entre nós, está em nós. Só cai no poço quem quiser.


História da Filosofia Grega – Os pré-socráticos
Autor: Luciano de Crescenzo
Editora: Rocco
Página: 208



quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Fora da Ordem e do Progresso


História, política e aquela sensação de que ainda falta muito, muito mesmo, demais da conta, para que o Brasil entre nos eixos. Três das várias razões que me fizeram comprar essa antologia e devorá-la em um dia. Quase 400 páginas em um dia inteiro (coisa de quem ama ler ou sabe usar o tempo que sobra, ou as duas coisas) é algo que exige que eu volte a esse livro outras vezes. Livro, jornal, documento. Ás vezes tudo isso se confunde nessas páginas, onde a História do Brasil é uma constante e cujas palavras nos lembram do nascimento torto da nossa política.

Cresci num meio em que sempre foi muito falar sobre política. A casa da minha avó, sobretudo em época de eleição, era como uma pequena ágora, onde cada um tinha alguma coisa para falar, alguma notícia para discutir, algum debate para comentar. Tive sorte de sempre estar por perto para ouvir a conversa dos adultos e embora não entendesse uma porção de coisas, fui crescendo e tomando gosto pelo assunto. Talvez de uma maneira até mórbida, porque sei que os tempos românticos da política morreram na Grécia e em Roma há vários séculos. O que nos restou foram cadáveres do que um dia foi uma das mais nobres artes.

E quando essa arte chegou ao Brasil, ela já estava corrompida. E assim permaneceu. Fora da Ordem e do Progresso mostra que praticamente nada mudou desde os tempos em que éramos colônia. Autores como Machado de Assis, Bernardo Guimarães, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Lima Barreto, João do Rio, Arthur Azevedo, Ignácio de Loyola Brandão, entre outros, através de 27 contos, nos apontam que as tramóias, os interesses escusos, os favores, os “jeitinhos”, os agrados, a violência, a repressão, o povo visto e tratado como um monte de nada são ainda elementos presentes, mesmo depois dos nossos 500 anos de achamento.

Textos como a Teoria do Medalhão, de Machado de Assis, em que um pai incentiva o filho a seguir os caminhos tortuosos da politicagem, ainda que tenha sido escrito em 1882, segue com um discurso muito atual. O texto O Plebiscito, de Arthur Azevedo conta do parlamentar que concorda em ser traído pela mulher, porque isso de alguma maneira vai ajudá-lo em sua carreira, o que nos mostra que nesse meio, a dignidade é um detalhe.

Segundo Império, República Velha, ditadura militar, Nova República. Fases retratadas através de personagens comuns, de gente que poderia estar dentro de nossas famílias, do nosso convívio, da nossa vizinhança. Histórias que alguns de nós provavelmente já ouvimos, de um parente que quase foi preso porque lia demais, de um conhecido cujo filho estudante apanhou em algum porão ou de um sujeito muito esperto que tratou de badalar alguém muito influente para se dar bem. A política nos rodeia o tempo todo (afinal, respirar é um ato político), por isso achei esse livro tão interessante, instigante, fascinante, viciante.

Numa data como essa, nada mais cabível do que lembrar um livro cujo título se encaixa tão bem com a nossa realidade. Sou apaixonada pela história do Brasil e acompanho mais as eleições do que Copa do Mundo, amei esse livro e sei que no fundo há quem ainda acredite que o país tem jeito, porque temos pessoas dispostas a dar um jeito nele. Mas como jornalista, estudante, leitora, cidadã e, sobretudo como eleitora, não consigo ser tão esperançosa. Ainda seguimos fora da ordem e do progresso.

Fora da Ordem e do Progresso
Autores/Organização: Luiz Ruffato e Simone Ruffato
Editora: Geração Editorial
Páginas: 397