quarta-feira, 23 de julho de 2008

Cantigas de roda... e as desgraças

AS CANTIGAS DE RODA...
Eu sei que peguei um pouco pesado no título. Na verdade ele foi totalmente inspirado no nome de uma comunidade orkutiana: Cantigas de roda SÃO desgraças.
Faz quase 1 ano que eu rabisquei no meu caderno uma porção de cantigas de roda a fim de apontar, em um texto, como essas musiquinhas aparentemente inocentes carregam em si altas doses de sadismo e inconseqüência. Só que aí começaram a aparecer comediantes de stand up comedies fazendo isso de um modo bem mais interessante e a pipocar várias comunidades sobre o assunto, e acabei engavetando os rabiscos. Além, do que, não é de hoje que se nota como eram maldosas as músicas de roda de antigamente, obviamente que essa descoberta não é mérito meu.


Um dos maiores clássicos das cantigas de roda detona com as aulas de biologia: “... roda, roda, roda, caranguejo peixe é! /Caranguejo não é peixe / Caranguejo peixe é / Caranguejo é só peixe na enchente da maré”. Por favor! Querem que as crianças acreditem que peixe, molusco, cetáceo e crustáceo é tudo a mesma coisa? Ainda no campo das ciências, tínhamos uma cantiga um tanto visionária, que já abordava a modificação genética das espécies vegetais: “Da abóbora faz melão / Do melão faz melancia / Faz doce, sinhá / Faz doce, sinhá Maria”.

Mas se tem um clássico que me revolta é Atirei o pau no gato. Costumeiramente a maioria das pessoas (infelizes) não gosta de gatos, mas incitar uma criança a judiar dos bichanos é covardia: “Atirei o pau no gato MAS o gato não morreu...” – ou seja, ele atirou para matar – “...dona Chica admirou-se com o berro que o gato deu” – o que significa que essa dona Chica era uma omissa porque não socorreu o gato, e uma cínica fingindo admiração por uma reação tão óbvia.

Falando em omissão, na pré-escola cantávamos muito o Marcha Soldado, mas só hoje fui botar reparo no “que” de egoísmo e ditadura na letra: “Marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso no quartel...”- prendem uma pessoa a troco de nada! – “...o quartel pegou fogo, Francisco deu o sinal: acode, acode, acode a bandeira nacional”- os demais soldados que morram queimados, o importante é salvar um pedaço de pano. Com todo respeito à bandeira, mas num momento crítico como esse, ela realmente não passa de um pedaço de pano.

Ainda na esfera da violência, existia a criança que queria matar o avô: “Serra, serra, serrador. Serra o papo do vovô”. Eu cantava isso na casa do meu avô, na maior inocência, achando que o tal papo era uma gíria para conversa (corta a conversa do vovô – sei lá, vai que a conversa do tal vô era meio chata...). E no entanto, hoje há casos de netos que, literalmente, serram não somente o papo dos membros da família.

Temos ainda casos de abuso de autoridade: “Pai Francisco entrou na roda tocando seu violão / Vem de lá seu delegado e Pai Francisco foi para a prisão...” – Coitado de Pai Francisco! Que mal tem, ele participar da roda com o violão? Isso caracteriza perturbação da ordem? –“...como ele vem todo requebrado, parece um boneco desengonçado” – pudera. Deve ter levado uma surra na cadeia. E o ou a tal da Pom-Pom que estimula o vício do fumo? “Pom-Pom, Pom-Pom, aonde vai, Pom-Pom? / Vou à feira / Fazer o que, Pom-Pom? / Comprar cigarro”. Depois de versinhos assim, não deve ter adiantado nada terem censurado a embalagem dos deliciosos cigarrinhos de chocolate da Pan.

Outra muito executada nas brincadeiras de roda e corda era “Lá em cima do piano tem um copo de veneno / Quem bebeu, morreu / O azar foi seu!”. Credo. Isso dá a idéia de uma pessoa completamente indiferente às desgraças alheias, como quem diz: “Ele morreu? Antes ele do que eu”. Fora que quem larga um copo de veneno sob um piano não está nada bem intencionado...

Nos recreios e na casa da minha avó, eu ouvia aquela do tal trem maluco que saía de Pernambuco e ia até o Ceará. Tem um trecho ali que, além de denegrir a imagem das professoras primárias, ainda incentiva a luxúria: “...Minha mãe me pôs na escola para aprender o b-a-ba, mas a danada da professora ensinou a namorar...”- aula que é bom, nada. Só safadeza – “...sete e sete são catorze, com mais sete, vinte e um / Tenho sete namorados mas não gosto de nenhum”. Sete “cabras” enganados por uma namoradeira analfabeta sem sentimentos.


Meu intuito não era parecer amarga demais e, nem de longe eu quis dizer que essas cantigas tão folclóricas sejam terríveis e que possam ter virado a cabeça das crianças. Eu passei a minha infância toda as ouvindo e cantando-as e nem por isso fui na onda da Pom-Pom e fumei, não atirava coisas nos gatos e sempre soube que caranguejo jamais foi peixe. Acho até saudável que crianças – de qualquer geração – tenham contato com elementos tão simples como cantigas de roda e que, apesar de todas as “desgraceiras” das letras, ainda trazem consigo toda aquela inocência que está se perdendo. Esses apontamentos que fiz e que tantos outros já fizeram ou farão, não passam de chistes, brincadeiras ou uma forma metida à engraçadinha de nos trazer à tona lembranças da infância.

Mas uma coisa parece ser fato: embora essas músicas não comprometam o desenvolvimento das crianças, elas refletem, ainda que de modo inconsciente, um traço muito marcante do perfil dos brasileiros – o da indolência, da baixa auto-estima e da servilidade humilhante – já que para que alguma coisa seja feita ou aconteça, é preciso que alguém receba alguma recompensa ou ameaça, como nesse caso: “Sambalêlê ta doente / Ta com a cabeça quebrada / Sambalêlê precisava é de uma boa lambada”. Imagino que Sambalêlê não tinha condições de trabalhar para seu senhor, mas mesmo assim ele ou ela devia cumprir com suas obrigações, nem que para isso tivesse que apanhar. Acredito que essa canção remeta à época da escravidão, e ainda assim, depois de tanto tempo, essa mentalidade de “faz isso ou apanha”, ou “faz isso e você ganha aquilo” ficou tatuada em nossas mentes, ficou adormecida em nosso subconsciente, e em algumas pessoas isso acaba despertando sob a forma de brincadeiras maldosas e preconceituosas ou perversidade pura.

Indolência, arrogância, intolerância e crueldade são heranças péssimas que nem as mais bonitinhas melodias de roda conseguem disfarçar. Se tais cantigas continuarem a ser passadas às próximas gerações – como devem ser, inevitavelmente – não estranhem se um dia nossos filhos e netos repararem nas mesmas coisas que reparamos hoje. Afinal, mais cedo ou mais tarde o encanto se quebra – como o anel de vidro daquela outra canção.

E AS DESGRAÇAS


Lembrei-me disso de novo porque por esses dias um bando de meninas daqui do prédio estava brincando de pular corda (da Coca-Cola, claro), no jardim bem embaixo da janela da sala. E não consegui ignorar a cena porque eu sempre imaginei que crianças paulistanas que vivem em prédios só se entretivessem com os Wii ou X-Box da vida, e que exercitassem só os dedos nos consoles. Ainda bem que eu estava errada. Parei por alguns minutos para ouvir as musiquinhas e elas não mudaram! Essa que as meninas estavam cantando era a mesma que eu ouvia muito nos recreios do Hilmar Machado: “Um homem bateu à minha porta, e eu abri...”. Mas que falta de noção do perigo. Nossos pais sempre nos alertaram para não darmos confiança a gente estranha e essa música vem dizer que uma criança abriu a porta para um homem não identificado.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

SAUDADE ANTES DA PARTIDA




Eu sempre tive a mania (se é que se pode chamar de mania) de sentir saudades de um tempo não vivido. Agora tenho experimentado a saudade antes da partida. Por motivos que nem convém citar, tenho passado uma temporada indefinida em Sampa. Às vezes isso me soa algo bom - como o acúmulo de experiências, aprender a ser mais cara-de-pau, perder o medo de certas coisas, conhecer lugares que sempre tive vontade (como a "Liba"), entrar em contato com diversas vertentes culturais, enfim, por mais difícil que possa se acreditar, a capital tem lá seus momentos felizes. Mas nada, NADA, que se compare com a bênção que é viver "na" Garça.

Estou em São Paulo desde fevereiro, portanto ainda é meio cedo para eu começar a fazer drama a cerca desse tanto de saudades que eu sempre me pego a sentir, porém sempre que posso, estou desembarcando nessa terrinha que eu amo.

E toda vez é a mesma coisa: nos dias que antecedem a partida eu já me pego com aquela melancolia típica. Já me vejo dentro de um metrô cheio e pensando nas tardes de caminhada pelo lago. Toda manhã, assim que abro a janela, dou de cara com um prédio exageradamente feio e cinza, com algumas vidraças quebradas, com aspecto de abandono, mas que ainda assim é uma igreja - não sei qual, hoje são tantas... A rua é triste, quase não há verde. Em Garça, quando abro a janela pela manhã, encaro muitas árvores, flores, maritacas e não fico nem um pouco receosa de encher os pulmões de ar.

Sinto falta do jeito amistoso das pessoas. Dizem que o mal de Garça é todo mundo se conhecer, pelo menos de vista. Todo mundo sabe da vida de todo mundo. Claro que por um lado isso é um grande inconveniente, mas a indiferença aguda dos paulistanos é uma das piores coisas que experimento todos os dias. As pessoas se acotovelam e se atropelam nas conduções e nas ruas e nem se dão ao trabalho de pedir desculpas. Me advertiram que não é bom olhar as pessoas nos olhos, isso intimida e sugere que você não está bem intencionado.

Aqui, o acolhimento é notório. Em qualquer lugar que eu vá, me sinto segura.
Lógico que é até covardia querer comparar o ritmo e o estilo de vida da capital com a daqui. Não quero comparar mesmo. Afinal, não há o que se compare à sorte de ter nascido e crescido nessa terra. Amo tudo aqui e não há um dia somente em que eu não pense em voltar.
Já está chegando o dia de encarar Sampa e eu já começo a contar os dias para retornar à Garça.

Sem mais. Até uma nova crise de saudades... =~(

terça-feira, 8 de julho de 2008

Um futebol que não é mais daqui

Na semana passada, eu caminhava com uma amiga pelo lago e um menino nos perguntou: “Vocês são daqui?”, e ela respondeu que sim. Mas ele insistiu, apontando para mim: “Mas ela não é daqui, é?”. Eu não sei se esse “daqui” quis dizer Garça ou Brasil, já que eu vestia a camisa da seleção de Portugal. Será que depois de tanto tempo, ainda causa estranhamento nas pessoas o fato de alguém vestir o brasão de outro país? Não digo apenas pela velha e batida questão da globalização, mas pela estima que se possa ter por algo que não seja necessariamente nacional.


O caso é que, só porque sou brasileira, não implica que eu tenha que morrer de amores pela nossa seleção. Isso em fiz em 1994. Acho que me contaminei pelo espírito que pairava no ar naquela época, em que só se respirava a esperança de finalmente ver o Brasil ser campeão depois de 24 anos. Todos diziam que minha geração ia ver, pela primeira vez, o país levantar a taça, o que fazia nossa ansiedade crescer.


Em 1994 eu estava na 8º série e em praticamente todas as matérias tínhamos que fazer trabalhos relacionados à Copa, o envolvimento era enorme. Alguns amigos e eu nos reuníamos na casa de minhas primas para assistir aos jogos e depois descíamos no lago para comemorar as vitórias magras de nossa seleção. Lembro-me nitidamente do sofrimento que foi passarmos pela Suécia e pela Holanda, além do joguinho meia-boca contra os Estados Unidos, donos da casa. Creio que o jogo mais tranqüilo deve ter sido o de estréia, contra a Rússia.


Confesso que criei na minha mente a imagem de um time imbatível, de tanto que se falava no poderio da seleção. Mas a Era de Pelé já havia passado. Em 94 tínhamos um tal de Romário (que justiça seja feita, não fosse a sua desviada providencial, Branco não teria feito o gol que permitiu ao Brasil passar pelo Carrossel Holandês e que graças ao seu passe preciso, Bebeto marcou nosso único gol contra os norte-americanos) que curtia mesmo era uma banheira; além do badalado Leonardo que deu uma cotovelada maldosa em um jogador dos Estados Unidos e não pôde mais jogar, ou Zinho, ídolo no Palmeiras, mas que na Copa foi apelidado de enceradeira. Só que, independente de algumas atuações um tanto irregulares, essa foi a Copa que mais me marcou. Pela ansiedade, pelo nervosismo, pelos rompantes de alegria – afinal, eu era uma adolescente, estava mais interessada na bagunça pós-jogo.


Porém, analisando hoje, lendo e ouvindo, pode-se dizer que, comparada às anteriores, essa foi uma das atuações mais sem-vergonhas da seleção. Não mais do que as de 1998, 2002 e 2006. Em 98 o entreguismo foi escancarado. Em 2002, apesar de estarmos com Scolari no comando e Marcos no gol (me refiro a eles por ainda serem um dos poucos profissionais do futebol que eu ainda admiro), a competição no teve o mesmo “charme” de antes. Confesso que no jogo contra a China eu cheguei a torcer pelos chineses, por alguns instantes; e cochilei no jogo contra a Inglaterra, tamanha a pasmaceira. Em 2006 eu não vi a nossa seleção, ela entrou e sumiu e eu nem notei. Enquanto tanta gente apostava numa revanche contra a Alemanha, eu prestava mais atenção na seleção portuguesa, atrevida e corajosa. E diante da indolência e do excesso de auto-estima de nossos – mais que bem pagos – jogadores, passei a acompanhar a campanha lusitana até o final, quando ela foi, infelizmente, interrompida pelos italianos. De qualquer modo, me impressionei e me surpreendi da melhor maneira possível com o time português, ou como eles chamam, a “Família”.


Mas a que se deve esse triste fenômeno da seleção brasileira, de ir descendo a ladeira cada vez mais? Muita gente dá palpites em futebol, uns mais errados que outros, então também vou dar o meu. Tenho uma teoria que, não sei se faz muito sentido, mas andei pesquisando e alguns dados comparativos acabaram por me convencer de que o número exagerado de jogadores “estrangeiros” convocados atrapalha o desempenho da seleção.


Nas Copas de 58, 62 e 70 não havia nenhum jogador de fora (até porque a incidência de atletas vendidos para o exterior era menor) e o Brasil levantou a Jules Rimet com placares folgados nas finais: em 58, Brasil 5X2 Suécia; em 62, Brasil 3X1 Tchecoslováquia e em 70, Brasil 4X1 Itália. Quando, hoje, o Brasil tem cacife para marcar 4 gols em cima da Itália?


Em 1994, ano do nosso tetra, a Esquadra Azurra quase nos barra. A seleção brasileira dessa vez era mista: contava com 11 jogadores de times nacionais (4 do São Paulo, 2 do Palmeiras e 1 de Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense e Vasco). A outra metade vinha da Europa e da Ásia (2 do Deportivo La Coruña e 1 do Barcelona, Bayern de Munique, Bayern Levenkusen, Bordeaux, Paris St-Garmain, Reggiana, Roma, VFB Stuttgart e Shimizu).


Quando vejo os VT´s das décadas passadas, a seleção brasileira parecia passear em campo, no sentido de mal tomar conhecimento do time adversário. Hoje ela também parece passear, mas no sentido de não se encontrar, de não tomar conhecimento de si mesma. A meu ver, a paixão que havia pela seleção não é mais como antes fora. A vinda de tantos “estrangeiros” parece causar desentendimentos no gramado, os atletas trazem os vícios das equipes européias e asiáticas, formando um enorme vitral de estilos em total desacordo. Hoje os meninos sonham em ser jogadores, não para levarem as cores da nossa camisa pelo mundo, mas para serem adorados no Arsenal, Real Madrid, Manchester... Essas são suas novas seleções.


O Dunga, coitado, foi posto como técnico, pela CBF, somente para virar chacota da torcida. Quando vaiados, no jogo das eliminatórias contra o Paraguai, ele e Jorginho comentaram: “esse povo devia era bater palmas pra gente” – penso sim que eles deveriam bater palmas para a geração deles, e não para essa que, (mal) acostumada às palmas lá fora, acaba por se tornar mimada, indolente e egoísta, jogando cada um por si e não em nome do país.