terça-feira, 8 de julho de 2008

Um futebol que não é mais daqui

Na semana passada, eu caminhava com uma amiga pelo lago e um menino nos perguntou: “Vocês são daqui?”, e ela respondeu que sim. Mas ele insistiu, apontando para mim: “Mas ela não é daqui, é?”. Eu não sei se esse “daqui” quis dizer Garça ou Brasil, já que eu vestia a camisa da seleção de Portugal. Será que depois de tanto tempo, ainda causa estranhamento nas pessoas o fato de alguém vestir o brasão de outro país? Não digo apenas pela velha e batida questão da globalização, mas pela estima que se possa ter por algo que não seja necessariamente nacional.


O caso é que, só porque sou brasileira, não implica que eu tenha que morrer de amores pela nossa seleção. Isso em fiz em 1994. Acho que me contaminei pelo espírito que pairava no ar naquela época, em que só se respirava a esperança de finalmente ver o Brasil ser campeão depois de 24 anos. Todos diziam que minha geração ia ver, pela primeira vez, o país levantar a taça, o que fazia nossa ansiedade crescer.


Em 1994 eu estava na 8º série e em praticamente todas as matérias tínhamos que fazer trabalhos relacionados à Copa, o envolvimento era enorme. Alguns amigos e eu nos reuníamos na casa de minhas primas para assistir aos jogos e depois descíamos no lago para comemorar as vitórias magras de nossa seleção. Lembro-me nitidamente do sofrimento que foi passarmos pela Suécia e pela Holanda, além do joguinho meia-boca contra os Estados Unidos, donos da casa. Creio que o jogo mais tranqüilo deve ter sido o de estréia, contra a Rússia.


Confesso que criei na minha mente a imagem de um time imbatível, de tanto que se falava no poderio da seleção. Mas a Era de Pelé já havia passado. Em 94 tínhamos um tal de Romário (que justiça seja feita, não fosse a sua desviada providencial, Branco não teria feito o gol que permitiu ao Brasil passar pelo Carrossel Holandês e que graças ao seu passe preciso, Bebeto marcou nosso único gol contra os norte-americanos) que curtia mesmo era uma banheira; além do badalado Leonardo que deu uma cotovelada maldosa em um jogador dos Estados Unidos e não pôde mais jogar, ou Zinho, ídolo no Palmeiras, mas que na Copa foi apelidado de enceradeira. Só que, independente de algumas atuações um tanto irregulares, essa foi a Copa que mais me marcou. Pela ansiedade, pelo nervosismo, pelos rompantes de alegria – afinal, eu era uma adolescente, estava mais interessada na bagunça pós-jogo.


Porém, analisando hoje, lendo e ouvindo, pode-se dizer que, comparada às anteriores, essa foi uma das atuações mais sem-vergonhas da seleção. Não mais do que as de 1998, 2002 e 2006. Em 98 o entreguismo foi escancarado. Em 2002, apesar de estarmos com Scolari no comando e Marcos no gol (me refiro a eles por ainda serem um dos poucos profissionais do futebol que eu ainda admiro), a competição no teve o mesmo “charme” de antes. Confesso que no jogo contra a China eu cheguei a torcer pelos chineses, por alguns instantes; e cochilei no jogo contra a Inglaterra, tamanha a pasmaceira. Em 2006 eu não vi a nossa seleção, ela entrou e sumiu e eu nem notei. Enquanto tanta gente apostava numa revanche contra a Alemanha, eu prestava mais atenção na seleção portuguesa, atrevida e corajosa. E diante da indolência e do excesso de auto-estima de nossos – mais que bem pagos – jogadores, passei a acompanhar a campanha lusitana até o final, quando ela foi, infelizmente, interrompida pelos italianos. De qualquer modo, me impressionei e me surpreendi da melhor maneira possível com o time português, ou como eles chamam, a “Família”.


Mas a que se deve esse triste fenômeno da seleção brasileira, de ir descendo a ladeira cada vez mais? Muita gente dá palpites em futebol, uns mais errados que outros, então também vou dar o meu. Tenho uma teoria que, não sei se faz muito sentido, mas andei pesquisando e alguns dados comparativos acabaram por me convencer de que o número exagerado de jogadores “estrangeiros” convocados atrapalha o desempenho da seleção.


Nas Copas de 58, 62 e 70 não havia nenhum jogador de fora (até porque a incidência de atletas vendidos para o exterior era menor) e o Brasil levantou a Jules Rimet com placares folgados nas finais: em 58, Brasil 5X2 Suécia; em 62, Brasil 3X1 Tchecoslováquia e em 70, Brasil 4X1 Itália. Quando, hoje, o Brasil tem cacife para marcar 4 gols em cima da Itália?


Em 1994, ano do nosso tetra, a Esquadra Azurra quase nos barra. A seleção brasileira dessa vez era mista: contava com 11 jogadores de times nacionais (4 do São Paulo, 2 do Palmeiras e 1 de Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense e Vasco). A outra metade vinha da Europa e da Ásia (2 do Deportivo La Coruña e 1 do Barcelona, Bayern de Munique, Bayern Levenkusen, Bordeaux, Paris St-Garmain, Reggiana, Roma, VFB Stuttgart e Shimizu).


Quando vejo os VT´s das décadas passadas, a seleção brasileira parecia passear em campo, no sentido de mal tomar conhecimento do time adversário. Hoje ela também parece passear, mas no sentido de não se encontrar, de não tomar conhecimento de si mesma. A meu ver, a paixão que havia pela seleção não é mais como antes fora. A vinda de tantos “estrangeiros” parece causar desentendimentos no gramado, os atletas trazem os vícios das equipes européias e asiáticas, formando um enorme vitral de estilos em total desacordo. Hoje os meninos sonham em ser jogadores, não para levarem as cores da nossa camisa pelo mundo, mas para serem adorados no Arsenal, Real Madrid, Manchester... Essas são suas novas seleções.


O Dunga, coitado, foi posto como técnico, pela CBF, somente para virar chacota da torcida. Quando vaiados, no jogo das eliminatórias contra o Paraguai, ele e Jorginho comentaram: “esse povo devia era bater palmas pra gente” – penso sim que eles deveriam bater palmas para a geração deles, e não para essa que, (mal) acostumada às palmas lá fora, acaba por se tornar mimada, indolente e egoísta, jogando cada um por si e não em nome do país.

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