quinta-feira, 19 de março de 2009


QUAL É O PROBLEMA?

Essa é a pergunta que eu gostaria de fazer a cada uma das pessoas para quem eu já enviei um curriculo nessa cidade. Não estou me fazendo de coitadinha, tentando achar alguma justificativa para o meu infortúnio. Apenas gostaria de tentar desvendar um certo fenômeno que acontece em Garça. Faz não sei quanto tempo, eu me cadastrei no Posto de Atendimento ao Trabalhador daqui, e nada. Periodicamente passo por lá para saber como as coisas andam, se há alguma novidade, atualizar a minha ficha. E a resposta é sempre a mesma: por enquanto não surgiu nada. Conversando com o rapaz que trabalha no PAT, ele acabou admitindo que os empregadores podiam não estar me chamando por causa do que coloquei no curriculo. Ele deu a entender que ali tinha coisa demais, que estava "assustando-os" . PelamordeDeus!! Eu não estudei um Harvard, eu não manjo nada de Física Quântica, nem pós-graduação eu fiz ainda! O que pode meter tanto medo nos empregadores garcenses?

Pela curta conversa que tivemos, tudo indica que muitos empresários não querem contratar gente diplomada ou que arranhe um ou outro idioma, temendo que sejam exigidos deles um salário fora do normal. Eu já expliquei um milhão de vezes que eu não estou interessada em ganhar rios de dinheiro – não tenho vocação para ser São Francisco de Assis, mas não faço questão de um vencimento estratosférico. O que eu quero de verdade é um emprego! Uma amiga minha passou, durante anos, pela mesma situação: graduada, pós-graduada, falando um Português impecável e saindo do Mestrado partindo para o Doutorado, ela via muitas e muitas portas se fechando para ela. O problema nem estava nela, mas sim em quem ela procurava. Gente com uma mentalidade tacanha e atrasada de quem imagina que um funcionário tão estudado seria uma ameaça para a empresa, desbancaria os outros empregados, ditaria regras, chegaria se sentindo o rei do lugar e ambicionaria tomar o lugar do patrão. Eu tenho certeza que é justamente essa visão distorcida que muitos aqui em Garça têm.

Pensando nisso, um dia voltei ao PAT e falei para o rapaz que sempre me atende que eu queria fazer umas modificações no meu cadastro. Pedi a ele que apagasse do meu curriculo o meu diploma universitário, o inglês (quebra-galho, diga-se de passagem), o espanhol, o italiano (macarrônico), e o que mais fosse possível. Num momento de quase desabafo ou revolta, perguntei se eu não podia dizer que eu só tinha instrução até a 8º série. Sei lá, de repente os empregadores, ao invés de ficarem assustados, ficam com pena... Mas ele explicou que não podia fazer isso.

O caso é que já deixei meu curriculo "monstruoso" em uma infinidade de lugares por aqui, desde empresas onde minha formação (Jornalismo) se encaixaria, até naqueles em que se buscavam uma simples balconista. Numa dessas, ouvi a seguinte frase: mas você é filha de "fulano", não precisa trabalhar! O engraçado é que, ainda mais nova que eu, minha mãe ouviu a mesma coisa. Ou seja: essa cabecinha fechadinha de muitos garcianos não mudou em nada! Como se minha mãe tivesse sido ou eu ainda fosse filha de algum magnata. Meus ascendentes penaram muito para construir o patrimônio que têm hoje e se tem uma coisa que me deixa louca de raiva nessa vida é ser tratada como filhinha de papai.
Certa vez, logo depois de formada, fui tentar (TENTAR, mesmo) deixar meu curriculo em duas emissoras de rádio da cidade (acho que nem preciso citar os nomes). Em ambas, os funcionários me disseram que eu não precisava deixar nada, eles não iam pegar. Na primeira a desculpa foi essa: se a gente pegar o seu, vamos ter que pegar de todo mundo que aparece aqui. Na outra: não estamos precisando. Tudo bem, ainda que não estivessem, mas cadê a delicadeza? Outra coisa importante que falta nessas pessoas é educação, além de um pouco de sensibilidade. Pode ser que os donos das emissoras nem saibam disso e que essas cortadas tenham partido dos próprios funcionários, mas desse modo começo a pensar que assim como cada povo tem o governo que merece, cada empresa tem os empregados que merece. Uma coisa parece ser o reflexo da outra.

Não vou ficar entrando aqui naquela velha discussão de que por que eu ainda estou em Garça, se tantos jovens já foram embora. Passei um tempo em São Paulo – a terra que eu sempre brinco dizendo que é uma terra suja, de ar fedido e gente indiferente. Mas acabei me rendendo e despertando uma certa paixão por Sampa. Mas voltei pra cá, querendo me dar uma nova chance aqui, vim atrás de qualidade de vida, de dias mais calmos, de pessoas menos indiferentes. Talvez eu tenha dado um passo em falso, mas o problema não é esse. A questão é por que cargas d’água esse preconceito?

Então tá. Empresários de Garça: tudo o que consta no meu curriculo é mentirinha. Eu sou semi-analfabeta – eu ditei esse texto para outra pessoa, pois nem usar o Word eu sei. Mal falo o Português. Odeio ler. Nunca, jamais, em tempo algum vou tocar em uma obra de Shakespeare, não tenho idéia de quem tenha sido Machado de Assis e poema, pra mim, é coisa de gente estranha. Escuto pagode, axé, funk e afins o dia inteiro. Vejo em Lula a personalidade do milênio. Amo Big Brother e a maior ambição que tenho na vida é me tornar Rainha do Rodeio. Tá bom assim?

Como já fiz questão de deixar bem claro aqui, eu não sou nenhum exemplo de virtude e cultura, ainda estou no começo da estrada, mas os donos dos pedágios têm dificultado um pouco essa viagem.

2 comentários:

tarciso disse...

Veridiana. Sou bem provinciano de origem, vim lá das bandas do Paraná... e estou em Sampa desde os 18. O interior é mais calmo, menor poluição, melhor qualidade de vida, proximidade e calor humano - tanto que pretendo voltar logo que me aposentar proximamente - mas esse lado de que uma pessoa culta seja ameaça é algo bem concreto nesses lugares onde ninguém é completamente anônimo e seus predicados, ao invés de promoverem, quase sempre atrapalham... Talvez a melhor possibilidade de crescimento para quem deseja permanecer na cidade pequena seja a de montar um negócio próprio. Sucesso!

Unknown disse...

Eita Veridiana !!!

Esta caindo a ficha de Garça City ?
Eu nasci ai... sai para estudar e fiquei 20 anos fora... voltei em 2004. Procurei emprego, mas o teto ai era "800". Prestei 2 concursos em 2006, passei em ambos... um deles com concorrência de cerca de 50 para um, carreira de estado. O grande problema de Garça é que "tudo tem um preço". O que eu consigo "apalpar", "pesar", vale muito. Um saco de café tem valor, um doutorado em agronomia, conhecimento para produzir, render, valer, não vale nada. Ia te falar desse poema do Pessoa, mas você já o tem na página ("não sou nada, não posso querer ser nada..."). Se vale indicação, procure Walt Withman, o cara que pode ser dito como o "precursor" da cultura hippie, e isso em 1800 e qualquer coisa. Tem um poema que é quase "auto ajuda", o "Song of myself" (http://www.daypoems.net/poems/1900.html).
Bom... vou parando por aqui... para terminar, um exto que me fez lembrar de Garça, inclusive pela referencia de Marília...

Abração,

Eug

"Viver de província"

MARCO ANTONIO VILLA

Apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB, o interior continua marcado pelo provincianismo


NO FINAL do Império, em meio às turbulências políticas, Júlio Ribeiro -escritor, gramático e polemista republicano- cunhou a expressão "viver de província", nas suas "Cartas Sertanejas". Era uma definição sarcástica do pobre cotidiano político-cultural do interior de São Paulo. Depois de 120 anos, pouco mudou:
apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB brasileiro, o interior continua marcado pelo provincianismo.
A inexpressividade política do interior é suprapartidária. Vez ou outra algum grupo tenta ter espaço regional, mas acaba fracassando. O último foi a conhecida "República de Ribeirão Preto", expressão cunhada para designar os aliados do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, em Brasília.
Porém, a denúncia de uso pouco ortodoxo de uma mansão, na capital federal, levou ao naufrágio do grupo, mesmo com a eleição de Palocci para deputado federal. E o interior, para o bem ou para o mal, continuou sem liderança expressiva.
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) poderia ser um palco para o aparecimento de lideranças interioranas. Contudo, das suas atividades pouco ou nada se sabe. Muitos nem sequer imaginam onde, na capital paulista, se localiza o prédio de um dos Poderes do Estado.
Dos seus 94 deputados, mesmo os que acompanham a política regional sabem, se tanto, o nome de meia dúzia. O noticiário político prioriza o Congresso Nacional. A Alesp é solenemente ignorada: só é notícia quando ocorre denúncia de um suposto escândalo administrativo.
Outra possibilidade seria a ação de alguma administração municipal que se notabilizasse pela inovação. Mas, dos mais de 600 municípios interioranos, quais poderiam ser destacados pela originalidade administrativa?
A política estadual concentra-se na capital e, no máximo, na Grande São Paulo. Os líderes partidários que têm presença nacional também atuam nessa região. O interior é marcado pelo situacionismo, pela política do "sim, senhor". Os prefeitos mudam de partido acompanhando a base política do governador. Não têm opinião formada. E os deputados são cobrados pelos seus eleitores para trazer recursos para suas bases, e o preço é sempre apoiar o governo.
No campo cultural, apesar do grande número de faculdades e universidades instaladas no interior, não houve mudança. O conservadorismo local venceu a potencialidade transformadora da universidade.
Eventualmente professores universitários passaram a participar da política local, mas sempre buscando alguma forma de composição política com os poderosos locais. E, quando necessário, os conservadores utilizaram-se da violência para expulsar os professores indesejáveis, como em São José do Rio Preto, logo após o golpe de 1964, na faculdade local e que hoje é parte da Unesp.
Há uma valorização absoluta do dinheiro e um desprezo pela cultura.
Em muitas cidades há mais joalherias que livrarias. As políticas culturais são fadadas ao fracasso. O poder público -tal qual a maioria dos eleitores- não tem interesse nas atividades culturais: elas não dão voto e, por vezes, dão problemas.
Em Araraquara, depois do espetáculo "Mistérios Gozosos", de Oswald de Andrade, José Celso Martinez Corrêa e grupo foram processados, acusados de "vilipendiar atos e objetos de culto religiosos". O processo foi movido por araraquarenses incomodados "moralmente" com o trabalho de Zé Celso.
Uma "atividade cultural" muito conhecido no interior, espécie de marca regional, é o massacre anual de animais conhecido como Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos. Como tudo que é ruim, prolifera rapidamente: os rodeios espalharam-se pelo Estado.
No Vale do Paraíba, criaram até um rodeio para Cristo, que, certamente, deixaria o Nazareno horrorizado.
A maioria dos jornais é subsidiada pelo poder público ou por algum potentado local. O nível das publicações é rasteiro. O espaço da coluna social é várias vezes superior ao destinado a temas políticos.
Quando surge uma imprensa independente, os jornalistas passam imediatamente a ser perseguidos e ameaçados. Basta recordar, entre tantos outros exemplos, dos tristes episódios de Marília, que envolveram um conhecido político local e o ataque criminoso às instalações do "Diário".
Júlio Ribeiro morreu em 1890, aos 45 anos. Viu muito pouco do Brasil com que sonhou: sem escravos e republicano. Mas o interior não mudou: tal qual no final do século 19, continua impressionando pelo dinamismo econômico e pelo provincianismo.
MARCO ANTONIO VILLA, 52, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outras obras, de "Vida e Morte no Sertão - História das Secas no Nordeste nos Séculos 19 e 20" (Ática).