quarta-feira, 7 de abril de 2010

MEU GRANDE QUARTO DE BRINCAR

MEU GRANDE QUARTO DE BRINCAR


“São mitos do calendário / Tanto o ontem como o agora / E o teu aniversário / É um nascer toda hora” (Carlos Drummond de Andrade)Esses dias ouvi uma expressão, também drummondiana, que me chamou muito a atenção: Fixação sentimental. Acredito que isso resume perfeitamente todo esse oitentismo e saudosismo que eu sempre sinto. Imagino que quem convive comigo deve estar farto dessa minha mania de ficar remexendo o que já foi, mas dessa vez vou tentar não aborrecer ninguém, mas sim fazer uma pequena homenagem a um lugar que marcou bastante um bom pedaço dessa minha curta vida de 30 anos: a loja A Eletrônica, que um dia foi do meu avô Antônio Sganzela (e também, por um tempo, do seu amigo e sócio Nelson Kerges), e depois do meu tio Carlão. Um pouco diferente das recordações precisas e históricas da minha mãe, o que eu tenho são lembranças de criança, são momentos que me remetem ás tais fixações sentimentais.Eu nunca levei aquela loja a sério. No bom sentido. Quando criança, eu nunca a vi como uma casa de comércio, muito menos como um local de trabalho. Eu a via realmente como um grande quarto de brincar, com suas prateleiras lotadas de bonecas, bibelôs, panelas, potes, potinhos, potões, ferramentas, talheres, vasos, jarras, porta-isso, porta-aquilo... Para mim tudo era brinquedo. Talvez as coisas com as quais eu nunca tenha brincado foram com os violões, porque eu era pequena demais para segura-los, porque eles ficavam pendurados lá no alto ou porque meu tio sabia que violão em mão de criança arteira não prestava. Mas confesso que “testei” muita coisa daquela loja – desde aqueles jipinhos com pedais até aquela pistolinha de acender o fogão, o Magiclick. Aliás, era só botar um Magiclick na minha mão e eu tinha diversão garantida durante boa parte da tarde. Como aquilo tinha mesmo forma de pistola, eu me sentia “a justiceira” atirando nos homens maus.E antes que a minha prima Evelyn diga que eu me esqueci dela, não tinha como esquecer, pois bastava a gente se encontrar na casa da minha avó para que ela viesse com essa: “Vamos brincar de lojinha?”. Aí as duas pirralhas ficavam transitando pela Eletrônica fingindo que uma era a atendente e outra era a “madame” que comprava. Mexíamos na caixa registradora para darmos nossos trocos imaginários, usávamos retalhos de papel de presente para fazermos as notinhas e acabávamos com as fitas, daquela quase secular, máquina de escrever (Remington? Royal? Não tenho certeza). E tudo isso em meio ao entra e sai dos fregueses de verdade. Eu não sei como o meu tio tinha paciência. Eu não teria! Mas o meu nonno já não era tão tolerante, porém até das suas broncas achávamos graça.
A gente só dava um tempo de atazanar na loja quando era hora de tomar café na casa da dona Valentina – a loja e a casa da minha avó eram literalmente grudadas, o que aumentava ainda mais as possibilidades para inventar brincadeiras. Creio que eu só não bagunçava com as imagens dos santos, talvez por medo de ser castigada, porque de resto, em tudo eu mexia, em tudo eu fuçava. Eu me sentia dentro de um outro mundinho, tudo eu queria ver, em tudo eu queria botar a mão. E cada brincadeira, cada tilintar daquela velha e bela caixa registradora, cada vez que a loja funcionava à noite nas semanas que antecediam o Natal, cada passa-fora do meu avô, cada piadinha do meu tio, cada reencontro com os primos, tudo isso traz à minha memória, não apenas a imagem empreendedora de uma família, um estabelecimento respeitado ou um nome que foi se consolidando através dos anos, mas especialmente me leva de volta à minha “Disneylândia” – a melhor e única que eu poderia querer.

4 comentários:

Evelyn Sganzela disse...

Vc se 'esqueceu' de comentar sobre as luzinhas "de Natal de Natal" que vc falava toda época de final de ano qdo as lojas abriam suas portas à noite!!!!

Evelyn

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Nossa, que viagem ao passado... Lembro de quando meu avô, que você conhece como o seu Sitta, me levava até A Eletrônica para ficar conversando com o seu tio Carlão. Aquela loja era para mim como um parque, mas como eu era visita e o meu nonno era bravo para traquinagens, eu ficava quieto... Sabia que o meu clarinete, quando eu comecei a estudar como o maestro Geraldo Moysés eu tinha ido ver se o seu tio conseguiria encomendar para mim?... Adorava ver aqueles violões pendurados, os santos... Mas o meu primeiro Francisco não comprei lá, apesar de vê-lo na loja. Outro dia o seu outro tio Luiz da Musitape estava brincando comigo e com uns clientes dizendo que tinha vendido discos para o meu avô paterno e para o meu pai e, hoje, vende CD's para mim. A mesma coisa aconteceu com a loja do seu avô, e que hoje é do seu tio, ela já está na terceira geração de clientes, isso só na minha família!
Beijo, caríssima!

Das Schweigen disse...

Poxa, está explicado pq vc gosta tanto de lembrar da década de 80. Com uma infância desta, quem não gostaria de lembrar de coisas que fazem vc se sentir + perto daquele tempo... (Mesmo que vc tenha vivido a década de 80 no começo dos anos 90. Coisas de um mundo sem internet, 5 anos de delay...)

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