sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Forza, Palestra!
Força, São Paulo!


Dessa vez resolvi registrar uma declaração de amor que vale por duas: pela Sociedade Esportiva Palmeiras e pelo Estado de São Paulo. Se existe alguma ligação entre os dois, além do fato de o Palmeiras ser um time paulista? Existe sim. É uma ligação muito forte, significativa e bonita. Como lembrança pelos 92 anos do clube resolvi publicar esse texto e como estamos em ano de eleição, não custa lembrar aos paulistas de bom senso das providências a serem tomadas no dia 01 de outubro. Não vou discutir aqui os temas indiscutíveis: política e futebol. Quero somente contar a história de um clube que aprendi a amar e que, de certo modo, teve passagem importante no desenvolvimento da cidade de São Paulo – e conseqüentemente, do Estado. É impossível separar a trajetória de um e de outro. Para começar, o nascimento do Palestra Itália se deu por um dos fenômenos mais importantes da história do Brasil: a imigração italiana.

Era uma vez... Em 1884, o Brasil vivia seus últimos anos de escravidão e a Itália, as guerras de unificação. Nativos de Campanha, Apúlia, Lombardia, Calábria, Trento, Vêneto e Nápoles, decididos a fugir dos conflitos, resolveram “fazer a América”. Éramos um continente até então desconhecido para eles, nosso Brasile, era, aos olhos e ouvidos italianos, uma terra de animais ferozes e famintos, um lugar inóspito e selvagem, cheio de lendas. Mas eles acreditavam que valia a pena correr tais riscos, pois aqui havia a promessa de terra para todos, onde eles pudessem progredir e prosperar. Assim, aberta a imigração, os italianos lideravam os contingentes. Até 1900, o serviço de imigração havia registrado quase 1.040.000 pessoas que atravessaram o Atlântico em condições muito precárias e em navios lotados rumo às lavouras de café do interior de São Paulo. Inicialmente a dura vida no campo quase os levou ao arrependimento: os fazendeiros, ainda habituados aos escravos, não sabiam como lidar com trabalhadores livres. Quando notícias de maus tratos chegaram aos ouvidos das autoridades italianas, muitos imigrantes foram proibidos de vir para cá e outros se mudaram para a cidade, exercendo atividades modestas de artesãos e pequenos comerciantes. Sem se darem conta, estavam dando início a uma tarefa da qual não haviam dimensionado a importância: colaborando com o desenvolvimento e consolidação de São Paulo.

1912. São Paulo contava com 320 mil habitantes. Bondes cruzavam a já famosa Avenida Paulista. Era o início da imigração japonesa. As lojas de departamentos, como o Mappin Stores, ocupavam grandes espaços e atraíam famílias diante das vitrines durante os passeios de domingo após as missas. Os mais afortunados se divertiam no Theatro Municipal, assistindo às óperas. Porém, eram os imigrantes italianos os detentores da maior cultura musical daquela sociedade. Mas as colônias ainda estavam um pouco divididas – entre Mooca, Bixiga, Bom Retiro, Brás e Barra Funda. Em 1913, a equipe Pró-Vercelli (campão italiano) e em 1914 o Torino, fizeram 11 partidas de futebol em São Paulo. Quatro homens, particularmente, ficaram encantados com as exibições e viram nesse esporte um espetáculo democrático. Logo, decidiram criar um clube que pudesse unir e representar os italianos. Esses homens eram Luigi Cervo, Vicenzo Ragognetti, Luigi Emmanuelle Marzo e Ezequiel Simone, membros da Sociedade Recreativa Bela Estrela, que reunia famílias em eventos lítero-musicais e danças.

Precisando de adeptos, Ragognetti (jornalista e intelectual do grupo) escreveu, no jornal da colônia – a Fanfulla – uma carta aberta aos patrícios, em 14 de agosto de 1914. Se reuniram no Salão Alhambra, na rua Marechal Deodoro, nº 2 (atual região da Praça da Sé) 35 italianos, divididos entre os que queriam apenas um time de futebol e os que desejavam um clube social. Com o entendimento dos dois grupos, Cervo e Marzo elaboraram um Statuto, todo regido em italiano, aprovado em 26 de agosto de 1914. Acabava de nascer o Palestra Itália: “um clube de italianos para italianos, mas dedicado também a integra-lo aos filhos do País e membros de outras nacionalidades”. A comemoração, como não poderia deixar de ser, foi regada com muito vinho.

Entretanto, sua partida de estréia, em janeiro de 1915, não ocorreu no Parque Antárctica (sublocado do Nacional que o locava da Companhia Paulista Antáctica), mas sim em Sorocaba, contra o Savóia de Votorantim (2 a 0 para os palestrinos, que ironicamente, levavam em seu primeiro uniforme, uma vistosa Cruz de Savóia). Nessa época acontecia a I Guerra Mundial, e a Itália, que lutava contra o kaiser alemão Guilherme II, não tinha muitas chances diante do poder do general. Por isso passou a recrutar todos os italianos espalhados pelo mundo e isso afetou diretamente o Palestra, que esteve à beira de fechar suas portas – se antes quase não havia dinheiro, com a guerra menos ainda: a colônia deixou de enviar suas contribuições ao clube para destina-las à Cruz Vermelha e à Pró-Itália. Para que sua falência não fosse decretada, mais jogos de futebol foram organizados, a fim de chamar a atenção de mais pessoas.

1923. São Paulo estava em ebulição com a chegada de várias indústrias e os negócios fervilhavam. O meio político também estava em polvorosa, com muita gente disposta a pegar em armas e lutar por uma nova Constituição - e os imigrantes não ficaram de fora. Os paulistas foram derrotados e dias apáticos se seguiram. Por outro lado, o Palestra não parava, conquistando títulos no futebol e no basquete. Entre 1933 e 1935 o Parque Antarctica ganhou cara nova, era o mais novo estádio da cidade, expandiu, criou seu Departamento Social e começou a ganhar as feições que tem hoje. Em 1937 já era uma referência nos meios aristocráticos com seus torneios noturnos de tênis em suas quadras iluminadas (um avanço para a época).

Porém a situação política mexia novamente com a vida do clube. França e Inglaterra declararam guerra contra a Alemanha, com a qual a Itália formara uma aliança, em 1936. O Brasil ficou neutro até 1942, quando cinco navios nacionais foram atacados por alemães. Getúlio Vargas, governando como um ditador, se viu na obrigação de declarar guerra contra o Eixo, enviando quase 25.500 “pracinhas” a Europa. Em guerra com a Itália, o Brasil não podia admitir a exibição de nomes relacionados aos países do Eixo em firmas ou entidades. Em 14 de setembro de 1942, chegou às portas do Parque Antarctica, um ultimato, bem às vésperas da final do Campeonato Paulista contra o São Paulo. Caso o Palestra não mudasse de nome, não entraria em campo no dia seguinte. Uma reunião foi organizada às pressas no mesmo dia e depois de virarem a madrugada, decidiu-se que o novo nome do clube seria Sociedade Esportiva Palmeiras e o escudo perdeu a cor vermelha, para não fazer nenhuma referência à bandeira italiana. E ainda, no dia seguinte, o time acumulou mais um título paulista!

1950. Para aqueles que duvidam que o Palmeiras também é um campão mundial, eis o que vai provar o contrário: o time conquistou esse título em 22 de julho de 1950, na Copa Rio Internacional, e tem o mesmo valor que tem hoje os mundiais ganhos por São Paulo, Santos, Flamengo e Grêmio. Essa competição foi idealizada pela Confederação Brasileira de Desportos a fim de animar a torcida depois da derrota na Copa para o Uruguai. Jogaram por São Paulo: Palmeiras, Juventus (Itália), Olympique Nice (França) e Estrela Vermelha (Iugoslávia). Jogaram pelo Rio: Vasco, Sporting (Portugal), Nacional (Uruguai) e Áustria Viena (Áustria). O Palmeiras ganhou do Juventus na final por 1XO e 2X2. Pouco tempo depois, seu escudo perdeu o “I” (que ainda era Itália) e ficou apenas com o “P”.

1963/1965. Nessa época o Palmeiras se destacava em outras modalidades: futebol de salão, tênis de mesa, natação, saltos ornamentais e vôlei. O Departamento de Patinação Artística e Esportiva deu origem ao grupo Periquitos em Revista, espetáculo famoso e aplaudido por todo o país e que recebeu a Grã Cruz do Mérito Social outorgada pela Unesco. E o Parque Antáctica, recebendo cada vez mais investimentos, podia ser considerado o Parque Ibirapuera da época, onde confraternizavam imigrantes e paulistanos. (foi lá, em 1908, que ocorreu a primeira corrida automobilística do Brasil e da América Latina). Desde então, o Verdão vem acumulando títulos não só no futebol, mas também no futebol de salão, basquete, vôlei, ciclismo, peso, judô, patinação (heptacampeão brasileiro) e hóquei.

Hoje a Sociedade Esportiva Palmeiras – bem como uma infinidade de outros clubes – aos nossos olhos parece mais uma empresa, que trabalha com parcerias, franchisings, patrocínios. Muito dinheiro é investido em todas essas modalidades, nos diversos departamentos do clube, em tecnologias empregadas em uniformes e materiais de treino. Graças a esses investimentos, o time vem se sobressaindo década após década, vem tendo destaque no cenário mundial e com isso sua cotação nunca esteve em baixa. Entretanto o caráter de empresa que os times têm hoje, não pode fazer do futebol algo mais frio. A história desse time foi contada para provar isso. Sonhos, lágrimas, noites em claro, emoções e speranza foram depositados nesse clube desde o seu nascimento. O mesmo me atrevo a dizer de São Paulo. Visto especialmente como o coração financeiro do Brasil, nós paulistas, somos mais que o estereótipo do executivo com uma maleta ou, no caso de nós interioranos, como a figura de uns cavalgaduras, “bichos do mato”. Somos filhos desses imigrantes. Somos filhos da Itália, de Portugal, da Espanha, da Síria, do Líbano, do Japão, dos negros e dos índios. Acho de uma frieza muito grande caracterizar um time com uma história tão rica como sendo simplesmente mais uma empresa. Também é frio chamar São Paulo apenas de “terra da garoa”, “terra da pizza”, “terra dos negócios”. Nesse, e em outros pontos, as histórias do Palmeiras e de São Paulo se mesclam: nasceram pelas mãos de gente sem medo, pessoas movidas a sonhos, visionários. Não é bairrismo, é somente uma declaração de amor a essa terra onde tive a sorte de nascer e que, por uma feliz coincidência é o berço do meu time do coração.

Não importa em que parte do mundo eu possa estar, sempre terei orgulho de dizer que sou paulista, sou garcense, sou fruto de uma feliz mistura de Itália com Portugal e que sou palmeirense.
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(escrito em 14 de agosto de 2006)

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Veridiana!
Através de uma pesquisa no Google, descobri que você havia citado o nome do grupo Periquitos em Revista, da Sociedade Esportiva Palmeiras, aqui no sue blog e vim conferir!
:)
E então, depois de tudo isso, descobri que você é super palmeirense, e aí veio a vontade de perguntar: Já que você é super PALMEIRENSE, você já assistiu a um show dos Periquitos?:
Se não assistiu ainda, precisa ver um!
O grupo continua em plena atividade e o espetáculo continua sendo feito por associados única e exclusivamente para ajudar ao próximo enquanto fazem o que mais gostam, ou seja, patinar!
São mais de cinquenta anos de existência deste show beneficente, sempre realizado com a intenção de ajudar...
Caso você não conheça nosso trabalho, aí vai o nosso site:
www.periquitosemrevista.com.br
Agora em novembro, realizaremos nosso tradicional show de natal, visando a arrecadação de alimentos para ONGS e instituições assistenciais...venha nos assistir, heim?
Obrigada desde já!
Atenciosamente,
Bia Câmara

Unknown disse...

Texto ótimo!!