segunda-feira, 9 de julho de 2007

UMA BREVE E DESPRETENSIOSA AVALIAÇÃO SOBRE O ROCK NACIONAL

Antes de qualquer coisa só quero reforçar: vou falar sobre rock nacional mesmo! É porque toda vez que se fala de rock, logo se pensa nas bandas americanas e inglesas. Hoje não. Aproveitando que em 13/7 comemora-se o Dia do Rock, gostaria de colocar na balança a fase roqueira dos anos 80 e até um pedaço dos 90 e de hoje, no Brasil. Evidentemente que escolhi essa fase porque vi, em tempo real, o surgimento e consolidação de bandas que marcaram nosso cenário musical.

Saudosismos à parte, quem teve a sorte de crescer nos “anos das trevas”, deve se lembrar bem de como o rock estourou (sobretudo com as bandas de Brasília) e moldou – no bom sentido – toda uma geração. As letras eram mais bem trabalhadas, camufladas com um ar de inocência e irreverência, mas recheadas de mensagens de protestos, ironias, zombarias e referências à política e aos costumes.

Indo na contra-mão da maioria das meninas da minha época, eu nunca fui com a cara da Xuxa, então nunca perdi tempo com aquilo que ela chamava de música. Tive a sorte de conhecer, cedo, o que o rock nacional produzia. O primeiro contato que tive foi com Raul Seixas, no clássico Pluct Plact Zum (e ainda hoje deve ter gente que acha que isso se trata de uma musiquinha bobinha para crianças) e, depois com Legião Urbana e seu casal Eduardo e Mônica, a saga de João de Santo Cristo em Faroeste Caboclo e o hino Que País é esse?. Não vou ser mentirosa e dizer que eu entendia 100% daquilo que eles falavam, mas ainda assim, o rock já havia me tocado.

Com uns 6 anos, acho, ganhei um K7 com os maiores sucessos das novas bandas: Tédio e Timidez (Biquíni Cavadão), Sonífera Ilha e Homem Primata (Titãs), Ciúme e Nós vamos invadir sua praia (Ultraje a Rigor), Louras Geladas e Rádio Pirata (RPM – aliás, qual mocinha dessa época nunca sonhou em namorar o Paulo Ricardo?), Dias de Luta e Flores em Você (IRA!), Eu não matei Joana D’Arc (Camisa de Vênus), Uma barata chamada Kafka (Inimigos do Rei). Ouvia essa fita até gastar. E ainda marcaram nossos ouvidos o Você não soube me amar (Blitz); Camila, Camila e o Astronauta de Mármore (versão malhada pela crítica, de Starman, do David Bowie, feita pelo Nenhum de Nós), Óculos e Vital e sua moto (Paralamas do Sucesso), Até quando esperar? (Plebe Rube), o açucarado Conquistador Barato (Léo Jaime), Rádio Blá e Me chama (Lobão) e até a banda trash Tokyo, do Supla, com sua Garota de Berlim.

A maior parte das músicas refletia bem a situação corrente do país, especialmente no que dizia respeito à política, às Diretas Já, a nova identidade da juventude, ao resgate dos valores da cultura nacional, esperanças de um Brasil melhor e a certas mazelas do famoso “sistema”. Isso porque o nosso rock contava com jovens engajados, que tinham um bom nível cultural (independente do nível financeiro), e que liam. Liam muito. E ouviam o que a música do resto do mundo tinha a oferecer, ensinar e agregar.

Ao meu ver, parece que havia uma preocupação com o modo de como as mensagens seriam propagadas sem ser apelativos, mas com poesia, com boas referências, com jogos de palavras, fazendo com que os jovens pensassem de fato, dessem asas à subjetividade e enriquecessem seu dicionário de sinônimos. Além disso, são músicas atemporais. Um exemplo disso é Veraneio Vascaína, do Aborto Elétrico (com Renato Russo e Dinho Ouro Preto). Veraneio Vascaína nada mais era do que o camburão da polícia , e a letra menciona a truculência de alguns policiais e a realidade na qual estavam inseridos. Aliás, quem se lembra de Capital Inicial executando Veraneio, Fátima ou Música Urbana e vê o que restou da banda hoje, dificilmente aceita que se tratem das mesmas pessoas. Dinho, que apesar de ainda ser carismático, enxuto e bonitão, parece que se esqueceu de como fazer boas músicas e incorporou o espírito de “banda de moleque”, com mensagens pobres e decepcionantes. Não é preconceito, é só um lamento, mas “bandas de moleques” é o que não falta, é o que mais o mercado tem produzido, como se fosse numa linha de montagem. Músicas muito iguais, melodias simplíssimas, letras bobas dignas de redação de 6º série, um pseudo-engajamento, alienação total. Muita manchete para pouca notícia.

Quando Renato Russo e seus contemporâneos começaram, eles também eram moleques, mas a mentalidade e o cuidado com a música eram muito diferentes. Renato punha em suas letras tudo o que via e sentia de forma poética, aberta a mil interpretações, usava elementos da literatura e filosofia com uma naturalidade ímpar, devorava livros e assim fazia com que a juventude refletisse. No álbum V, por exemplo, 2 faixas ilustram sua riqueza de vocabulário e suas metáforas. Em Metal contra as nuvens, Renato trata de seu eterno problema com as drogas e suas tentativas de reabilitação com um misto de tristeza e delicadeza: “Eu vejo tudo o que se foi e o que não existe mais / Tenho os sentidos já dormentes / O corpo quer, a alma entende / Esta é a terra-de-ninguém / Eu sei que devo resistir / Eu quero a espada em minhas mãos / ... / Não me entrego sem lutar / Tenho ainda coração / Não aprendi a me render / Que caia o inimigo então”. E em Teatro dos Vampiros, ele registra o que se passava na Era Collor: “Vamos sair / Mas estamos sem dinheiro / Os meus amigos todos estão procurando emprego / Voltamos a viver como há dez anos atrás / E a cada hora que passa envelhecemos dez semanas”. Resumindo: Renato fez uma geração pensar e garanto que deve ter feito muita gente procurar saber quem foram Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Marx, Engels, Rousseau, Jung, Nietzsche e Pascal.

E o que as bandas novas têm a oferecer? Historinhas manjadas de namoricos mal-sucedidos e uns protestos explícitos e mequetrefes que deixam muitos adolescentes sofrendo de preguiça mental. Certa vez, uma menina disse que não gostava de Legião Urbana porque não entendia nada do que as letras diziam. Bom, ninguém é obrigado a gostar de Legião, mas é lamentável que a juventude, em grande parte, vá atrás do caminho mais fácil que os faz pensar que estão pensando.

Não sei se hoje há o que comemorar, ou se nosso Dia do Rock não deva ser trocado pelo Dia do Pop Rock. Sinto que a pureza, a legitimidade, ousadia, experimentação e filosofia do rock brasileiro se perderam; só ficaram nos corações e nas cabeças de quem viveu naquele tempo bom; de quem, além de Renato Russo, pensou com as poesias cantadas de Cazuza, Humberto Gessinger, Herbert Viana, Bruno Gouveia, Raul Seixas... O rock era, aparentemente, inofensivo, mas essa era a intenção, e quando queriam, nossos roqueiros sabiam ser agressivos, mas sem parecer uns robozinhos imitando os americanos ou se imitando entre si. Eram autênticos e pronto.

O que me conforta é que alguns expoentes dos anos 80 ainda resistem e não perderam sua essência, contrariando essa triste tendência do mercado fonográfico: Engenheiros do Hawaii, Barão Vermelho, Paralamas, Biquíni, Lobão (apesar de ele ter voltado à cena graças ao Acústico MTV), Lulu Santos (mesmo que muitos torçam o nariz para ele, Lulu ainda é um excelente profissional e um dos maiores hitmakers do país sem precisar aparecer nas mídias) e Ultraje a Rigor – irônicos e debochados, são a “pimenta” que dá graça ao nosso rock. Falando nisso, até hoje me lembro de quando o Ultraje se apresentou em Garça, em 2001 (na Tulha); sujeitos simpáticos, simples e divertidos. O oposto desses “estrelinhas” dessa nova geração.

Diante disso e de tantos outros fatores ainda não mencionados por uma questão de tempo e espaço, me resta celebrar o Dia do Rock com aquele gostinho de saudades no fundo da garganta e torcer para que esses “heróis da resistência” continuem firmes e fortes, sem se contaminar com modismos e tendências. Se bem que, como canta Gessinger: “o pop não poupa ninguém”.

2 comentários:

*** .´. *** disse...

Oi Veri, aki é o Fábio! Adoro ler o que vc escreve, sempre tão militante... A respeito das bandas de rock, aceito com grande louvor seus comentários de que não temos mesmo novas bandas de rock. O que mais me impressiona é saber que são muitos os que sucubem o desejo de ouvir filosofia no rádio, pra ouvir pornografia, 'tristezas de namoricos', ou ainda uma face de solidão repugnante..."precisamos impedir sim um desastre"...mas o problema aparece quando decidimos nos perguntar "Como?"...As questões políticas, que abrangem um âmbito social como vc mesmo sitou no seu blog, como o pp Renato Russo, fazia em suas música e tts outros, já não são importantes como eram antigamente... Agora, resurge uma ditadura 'implícita' que impede de fazermos o veradeiro rock. A ditadura dos grandes impérios, mas "eu quero a espada em minhas mãos"...Continuemos assim como vc, militante...Eu to nessa com vc...porque cada vez que ouso o novo rock!!! "eu presto atenção ao que eles dizem, mas eles não dizem nada"...

Bruno Figueiredo disse...

Em relação a música do Raul(Plut_Plat_Zum) fiquei sabendo a pouco tempo da real siginificação dela e realmente tem a ver com ditadura e censura.