quinta-feira, 21 de abril de 2011

Brás, Bexiga e Barra Funda



 - Página de Cultura do Jornal Comarca de Garça, de 15/04/11 -

A obra de Antônio Alcântara Machado, escrita em 1928, assemelha-se muito a um jornal; seus contos soam, aos olhos e ouvidos mais sensíveis e saudosos, como crônicas “fanfullescas”, como se alguma nonna ou zia estivesse nos contando histórias de nossa família ou conhecidos. 
Em Brás, Bexiga e Barra Funda, o autor resgata a São Paulo do século retrasado, quando a cidade recebia os imigrantes italianos que vinham fazer a América e suprir a carência de mão-de-obra nas lavouras. Alguns permaneceram nos campos, mas os que foram para a cidade marcaram indelevelmente a história da capital paulista.
Tenho um profundo carinho por esse livro por três motivos óbvios: a ascendência, a paixão por História e o fascínio por São Paulo.
Durante os meses em que vivi no Brás, em 2008, procurei por resquícios do que um dia foi um bairro genuinamente italiano. Mas o tempo passa, as coisas mudam e o que restou da italianice de outras décadas encontramos apenas nas festas paroquianas de São Vito, Nossa Senhora Achiropita e Nossa Senhora Casaluce, ou no que sobrou das fachadas do antigo casario e corticinhos que ainda resistem a tanta transformação em torno de si.
Alguns dizem que Alcântara Machado fez quase uma “homenagem ao contrário” à comunidade ítalo-brasileira ao retratar os imigrantes como gente grosseira, briguenta e ambiciosa. Mas não consegui enxergar isso. O que vi foi gente embrutecida pelos desafios da sobrevivência em uma cidade já muito competitiva, que entrava num acelerado processo de industrialização e que abrigava povos de várias partes do velho continente – e até do Oriente.
A gente retratada por Alcântara Machado é debochada sim, é grosseira, ambiciosa, escandalosa. Mas é provável que isso se deva ao sangue fervilhante dos italianos, que explodem a todo momento mas que adoram uma confraternização; gente passional e corajosa que transformou São Paulo nos dando gerações de literatos, políticos, esportistas, artistas e industriais.
Rua Oriente, Rua Barão de Itapetininga, Praça da República, Rua do Arouche, Santa Cecília, Jardim América, Rua Dona Veridiana, Praça do Patriarca, Rua da Liberdade, Avenida Paulista, Parque Antártica, Praça Buenos Aires, Rua do Gasômetro, Largo de São Francisco. Alguns desses lugares citados pelo autor eu cheguei a conhecer e eles me deixaram com uma espécie de saudosismo que eu nem sei que nome tem. Não vivi nesses lugares, meus ancestrais oriundi tampouco, mas é como se alguma coisa no DNA da gente se sentisse provocado, apaixonado, instigado. Personagens como a interesseira Carmela ou o menino (teimoso) Gaetaninho nos lembram aqueles parentes que, vez ou outra nos pegamos criticando, mas dos quais não conseguimos desgrudar.
Brás, Bexiga e Barra Funda nos envolve com uma linguagem diferente dos demais clássicos da literatura brasileira. É, ao mesmo tempo, simplória, moderna, criativa, rica, simpática, algo deliciosamente macarrônico. Enfim, fez com que eu me sentisse em casa. Na casa da nonna!

“Italiano grita.
Brasileiro fala.
Viva o Brasil.
E a bandeira da Itália!”
Brás, Bexiga e Barra Funda
Autor: Antônio Alcântara Machado
Editora: Nova Alexandria
Páginas: 78

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