quinta-feira, 22 de março de 2012

DANTE ALIGHIERI

O poeta filósofo




“Quem és tu que queres julgar / com vista que só alcança um palmo / coisas que estão a mil milhas?”

Dante Alighieri. Se perguntarmos para a maioria quem foi Dante, pode ser que ouçamos: “aquele cara da Divina Comédia?”. Isso se levarmos em consideração quem ao menos tenha ouvido falar neste brilhante espírito. E temos ainda que considerar que muitos crêem que a Divina Comédia se trate de uma história engraçada. E não é. Assim como Dante não é somente o autor deste clássico universal.
Erroneamente eu também imaginava, mesmo sabendo do grande gênio que ele foi, que Dante houvesse escrito alguns poucos poemas e textos filosóficos, mas que tivesse sido “autor de um sucesso só”. Tive a feliz surpresa de estar enganada quando li Dante Alighieri – O poeta filósofo, livro que resume de modo acertado a vida e as obras deste homem incrivelmente sábio.
Nascido em 1265 em Florença, Dante desde cedo, e mesmo pertencendo a uma família em condições econômicas razoáveis, se envolveu com política e criou caso com a Igreja. Nos dias de hoje Dante seria pejorativamente chamado de mero burguês, mas ainda assim ele foi um dos raros, senão o único de seu tempo a se preocupar com questões como moral, ética e espiritualidade. Isso além de ter sido um exímio lingüista.
Lá pela segunda metade do século XIII, várias casas da Itália (famílias poderosas e influentes) de diversas regiões, disputavam o controle político do país, concorrendo com a intervenção germânica e com a “ditadura” da Igreja. Dante dizia que o clero não deveria se meter em assuntos fora de sua alçada; para governar já existiam os reis e que o papel do Papa deveria se restringir a cuidar das almas e não dos cofres. Por conta disso foi perseguido e expulso de Florença.
Dante começou logo cedo a notar que o conhecimento era o maior tesouro que um homem poderia carregar: estudou ainda na adolescência matemática, dialética, gramática, retórica, aritmética, música, geometria, astronomia, e mesmo adulto, casado e com filhos e mudando de lugar, não matava ainda sua sede de saber. Adquiriu conhecimentos em filosofia, leis e teologia. Era homem público, ocupando importantes cargos, mas foi como filósofo e escritor que o mundo o conheceu. E deveria conhecer mais.
Através dessa leitura, que realmente me surpreendeu, vi que Dante vai muito além do que podemos imaginar. Além da Divina Comédia (fruto de longa pesquisa histórica, teológica e mitológica), Dante nos deixou verdadeiras jóias, ainda mal aproveitadas pela maioria, como Monarchia (ou Monarquia) e O Banquete (ou o Convívio), em que ele realmente banqueteia o leitor com argumentos que enaltecem o pensamento, o amor, a nobreza da alma, a sabedoria, remontando a sociedade medieval e apontando as faltas dos homens como a inveja, egoísmo, vaidade, materialismo e ignorância. Foi com essas obras que Dante conseguiu uma proeza: unificar a língua italiana. Expandida pela península, sob variadas formas regionais (e até rivais) o idioma foi estudado por Dante, que chegou a um “meio termo” para uniformizar o italiano.
Ainda que não fosse sua intenção, Dante, a meu ver, se revelou um autêntico espiritualista – e espírita: uma de suas mais belas passagens narra a morte de forma muito poética, comparando-a a uma nau que aporta no cais, depois de longa, cansativa e enriquecedora viagem. Dante faz perceber que a sabedoria é algo muito simples e que nobreza não tem nada a ver com sobrenome. É um exercício de respeito, desapego, de saber apreciar uma amizade, a natureza e a arte; que conhecer é libertar-se, e que Deus não está no ouro dos altares, mas dentro de nós mesmos.
São obviedades que muitos ainda desconhecem, por isso Dante, assim como outros grandes espíritos como Voltaire, Sêneca, Aristóteles, Lúlio e Erasmus vão ser sempre atuais. Tão óbvio quanto o fato de insistirmos em nossos velhos vícios de sempre, como a prepotência e o julgamento, que, aliadas à falta de conhecimento, são apontados por Dante como os maiores venenos da alma humana.

(Publicado na página de Cultura, do Jornal Comarca de Garça - 22 de março de 2012)

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