quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

A autêntica piada de português.
Ou melhor, dos portugueses.


Não sei se o problema é só comigo ou se isso pode ser chamado de problema, mas sinto muita falta de um humor inteligente de verdade na TV. Sobretudo na TV aberta. Volta e meia, essa “terra de fantasias” chamada Rede Globo cria programas até muito interessantes, com um humor ágil, uma linguagem quase como as usadas em seriados tipo Will&Grace ou Seinfeld (ambos do canal Sony), em que, quem não estiver pelo menos um pouquinho por dentro de política, livros, filmes, costumes e notícias do mundo, nem vai ver vestígios de piada. Talvez o problema seja esse. Provavelmente por esse motivo foram experimentados e depois tirados do ar programas como Os Normais, Sexo Frágil ou Minha Nada Mole Vida. Já vi gente “boiar” com esses programas e dizer que eles eram chatos. Uma lástima. O mesmo acontece com o Casseta&Planeta – que ainda bem, está durando – mas muita gente chama de sem graça (andam meio fracos, é verdade, mas ainda são respeitáveis). Não entendem que o problema não é com o programa, mas com quem assiste! Sacadinhas com políticos, com personalidades, com a História, com regionalismos... nada disso faz sentido para uma legião! E se ainda existissem os saudosos TV Pirata, Viva o Gordo, O Cabaré do Barata e Chico City, com certeza sofreriam do mesmo mal. Não é que falte humor inteligente. Há investidas nesses sentido.

O problema é o público que emburreceu! Não digo todos, por favor. Também não digo que eu seja um poço de inteligência, mas sinto a maior falta desses programas e lamento que os que surjam agora não passem de laboratórios. Fiquei feliz quando descobri Hermes & Renato, na MTV. Um humor que beira o non sense. O inconveniente é que quando os caras entram em férias, ficam praticamente meio ano fora do ar! Então, cadê? Cadê um programa humorístico que não emburreça, que não tenha risadinhas forçadas de fundo, que não tenha um texto quadradinho e limitado, que seja isento de piadas previsíveis e velhas? E mais: cadê um programa de não deva nada a ninguém e que não se submeta às regras de uma emissora atrelada aos interesses do governo? Existe algum programa que pratique o exercício do humor sem temer a tesoura da censura? Achei. Por acaso, zapeando, como sempre. Fuçando a programação da Sic Internacional, atrás de alguma coisa que eu pudesse ver para, de algum modo, ficar mais perto de uma terra que admiro, que está – em partes - no meu sangue e onde adoraria estar um dia. E, de cara já achei ótimo. A começar pelo nome: Gato Fedorento. Não vou entrar em muitos detalhes sobre o programa, - quem tiver algum interesse, procure outras informações, e eu recomendo e assino em baixo. Só adianto que é o tipo de humor que precisávamos por aqui. Quem escreve os esquetes e atua são quatro jovens e talentosos humoristas portugueses: Ricardo de Araújo Pereira, Miguel Góis, Tiago Dores e Zé Diogo Quintela (que lembra um pouco o nosso Casseta, Marcelo Madureira). Mesclam cutucadas na política e na religião, coisas do cotidiano e da natureza das pessoas e pitadas da mesma loucura de Hermes & Renato (mas não chegam a ser tão escatológicos ou pornográficos quanto). E ainda que digam que não, são atores muito bons – são cínicos, irônicos e galhofeiros. Mas quero chegar a um outro ponto, com esse meu texto. O caso é que também tive a grata surpresa de conhecer o blog desse quarteto, (www.gatofedorento.blogspot.com) com textos igualmente excelentes e pelos quais me inteirei de mais algumas coisinhas sobre Portugal – especialmente quanto à política e economia.

Li um texto do Ricardo de Araújo Pereira (jornalista por formação), de 23 de janeiro de 2005, intitulado “Portugal vai ter um rumo e eu também”. Lá ele conta que foi convidado a participar de um jantar do Bloco de Esquerda, uma vez que os apóia e isso não é segredo para ninguém. Mas por esse motivo ele foi achincalhado por um colunista, Paulo Pinto Mascarenhas, que disse o seguinte, em seu blog “O Acidental”:
*******
“O Bloco Fedorento
Depois de ver o famoso comediante Ricardo de Araújo Pereira num encontro do Bloco de Esquerda, pergunto-me se ele é o Gato de Esquerda ou o Bloco Fedorento.
[PPM]
PS: Eu sei que a piada não tem graça nenhuma, não se preocupem, eu não tenho aspirações à humorista. Só que o humorista também não devia ter aspirações políticas. (...)”
*******
Repararam? Se eu fiquei indignada com esse comentário infeliz, fico imaginando o próprio Ricardo (sua resposta brilhante está no blog “fedorento”). Ou qualquer pessoa que não tem uma vida política, mas que se interessa, se engaja, assume um lado, apóia causas. Que preconceito é esse, numa democracia? Atores, comediantes, escritores, não podem confraternizar com políticos? Ou o problema é ser de esquerda? Fico envergonhada especialmente porque foi um jornalista a dizer isso. É mal de jornalista querer ser o dono da verdade – “fulano NÃO DEVIA isso”, “fulano NÃO DEVIA aquilo”– mas isso beira quase que à intolerância, ou “é uma atitude que cheira a coisa antiga”, como escreveu, depois, Zé Diogo Quintela.

Aqui no Brasil, em todas as eleições, vemos atores, escritores e até jornalistas que se envolvem na política. Cansamos de ver os “globais” no horário eleitoral – sobretudo levantando a bandeira do PT. Se quebraram a cara depois, como muitos quebraram (e foi bem feito), não importa. O que interessa é que assuntos políticos devem estar ao alcance de todos, devem figurar em todas as rodas de conversa, em todas as mesas, em todos os cenários. Política só serve para políticos? Quem disse? E mais: política e humor, de um jeito ou de outro, andam juntos. Os políticos fazem piadas com os eleitores e os humoristas fazem piadas dos políticos...

Para alguns pode parecer que fugi um pouco do assunto, mas pelo menos falei de algumas coisas que queria: lamentar a falta de humor de qualidade na TV aberta (o que parece ser proposital, já que a TV que emburrece é mais conveniente para quem governa), tecer elogios e recomendar (a quem tiver meios) a malta do Gato Fedorento e lembrar que não é pecado nenhum aderir a um lado na política, independente da atividade que a pessoa exerça. Esquerda, direita, centrista... NINGUÉM TEM NADA COM ISSO! Vista uma camisa e assuma os riscos.
________________________
(escrito em 03 de julho de 2006)

Nenhum comentário: