quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

SAUDADES DAQUELE JEITO


Ontem, milagrosamente meu irmão pediu-me um livro emprestado. Digo milagrosamente não para zomba-lo, mas porque ele sempre foi mais dado a ler partituras do que livros. Mas gostei da novidade e emprestei. Dicas Úteis para uma Vida Fútil - Um manual para a maldita raça humana, de Mark Twain. Desde o dia em que o li, no ano passado, andei fazendo a maior propaganda desse livro e volto a fazer. É que ontem, depois de um certo tempo sem ver a cara desse livro, lembrei-me de um dos principais motivos que levaram-me a gostar tanto dele. Em muitas passagens, ao contar suas aventuras e desventuras, seus gostos e desgostos, sua vida em família e seus pontos de vista sobre as coisas do mundo, Mark Twain lembrou-me muito o meu avô Antônio. Ria-me muito ao ler e ao lembrar dos tempos que passei em sua casa, enchendo os "pacová" daquele senhor de quem eu sempre desejei ter herdado os olhos verdes - hoje nem tanto, ensinaram-me a gostar dos meus olhos castanhos assim mesmo. As respostas de Twain às mais diversas situações levaram-me de volta no tempo e pude ver claramente meu avô distribuindo suas "chapudas" curtas e grossas, que ao mesmo tempo em que impunham respeito, também eram engraçadas. Se naquela época ele já achava os netos uns malucos, hoje ele teria a confirmação. Adoraria saber o que ele pensa de nós e que bronca hilária teria para nos dar.
Uma das passagens que eu acho que mais tem a cara dele é Política Econômica, em que um instalador de pára-raios não lhe dá descanso, interrompendo sua concentração para lhe perguntar mil vezes se ele podia colocar mais um pára-raios, só por precaução, esgotando a paciência de Twain:
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"Pelo amor de Deus! - gritei - Ponha cento e cinquenta! Ponha um em cima da cozinha! Uma dúzia no celeiro! E dois na vaca! Mais um na cozinha! Espalhe por tudo aí até que fique parecendo um bambuzal de zinco espiralado e prateado! Anda! Use todo o material que puder e quando não tiver mais pára-raios, ponha varetas de espingarda, alavancas, escadas, pistões, qualquer coisa que atenue sua fome de cenário artificial, deixe em paz meu cérebro e cure minha alma dilacerada! - Sem se alterar (a não ser por um leve sorriso) aquele ser de ferro apenas girou as mãos e disse: - Pois vou mesmo."
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É o tipo de bronca que dá até gosto de ouvir. Tenho certeza que todo mundo tem pelo menos um Twain na família - se não com inclinação para a literatura, mas com um dom muito doce para chamar a atenção, ensinar coisas e passar valores. E adoraria mesmo poder ouvi-los daquele típico italianão deliciosamente rabugento, que já há quase vinte anos está a nos espionar lá de cima.
Baccio, vô!

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(escrito em 05 de agosto de 2006)

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