sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

THE MAJOR ATTRACTIONS OF BRAZIL

Durante uma das minhas limpezas no meu quarto, encontrei uma revista de bordo da Transbrasil, que peguei durante uma viagem que fiz a Alagoas, em 1990. Não resisti e fui matar as saudades de fotos que eu já havia visto, mas que nem me lembrava que ainda existiam. Na época eu só tinha 10 anos, portanto, só prestava atenção mesmo nas fotos, não na parte escrita. Até porque a revista está toda em inglês. Agora que até posso me aventurar nesse idioma, tive a infeliz surpresa de ler uma das propagandas (cujo título é homônimo ao desta crônica) sobre o Brasil, destinada aos gringos que nada sabem daqui: “Bem vindo ao colorido país chamado Brasil. A terra onde o futebol é o rei e o Carnaval é a rainha. Famoso pelo seu café, renomado pelas suas pedras preciosas e amado pelo seu samba. Eles são o ‘Número 1’ no Brasil”. Publicidade de mau gosto, vendendo um país que não pode ser resumido apenas nisso. Mas e daí? Tem uma foto tão bonita e, sabemos bem, a maior parte dos estrangeiros não está nem aí se o Brasil é bem mais do que futebol, café, gemas e carnaval. Corrijam-me se eu estiver errada, mas há tempos que o café representa apenas 3% do que exportamos e competimos, focinho a focinho com nossos hermanos colombianos e nicaragüenses nesse mercado. Nossa supremacia cafeeira, antes mesmo dos anos 90 já não era a mesma. A extração desmedida de nossas gemas e ouro empobreceu muitas regiões – tanto o povo quanto o solo (lembram de Serra Pelada? Não passa de um buraco cheio de lama e de sonhos desperdiçados). Futebol e carnaval não são mais o que foram. Em um, jogadores se vendem por salários indecentes e em outro, mulheres se exibem indecentemente.

Peço aos leitores que me perdoem, mas me senti provocada com o anúncio (de uma certa empresa de cartão de crédito) da revista, e aproveito que estou atravessando uma fase meio ácida da minha vida, para incrementar essa lista de retratos feios que o Brasil ainda ostenta, se fazendo de coitadinho para o mundo e empurrando um punhado de imagens distorcidas para os gringos que engolem tudo sorrindo e sambando.

O Brasil se orgulha de abraçar povos de todas as partes do mundo e se diz um país livre de preconceitos, porém ainda convivemos com o exercício da discriminação entre nós mesmos: negros, homossexuais, nordestinos, pobres e mulheres ainda estão no topo da lista das piadinhas e dos olhares tortos de muita gente. Um bando de mestiços que não se toleram. O roto maldizendo o rasgado. Muitos de nossos homens ainda cultivam aquela mentalidade tipicamente latina de que mulher se “pega”, não importa quem, mas quantas e que inteligência e personalidade não interessam, desde que ela seja escultural. Aliás, a culpa não é só deles. Se existem os “consumidores”, é porque existe o produto: mulheres lindas, talhadas na mesa do cirurgião plástico, ávidas por alguns trezentos mililitros de silicone (brinco dizendo que muitas nem podem chegar perto do fogo, senão derretem), as mais salientes se penduram no pescoço de algum jogador de futebol e depois que conseguem atrair alguns flashes, realizam o sonho de ser capa e recheio das Playboys da vida. Outras são chamadas para ser Big Brother e viram ídolos instantâneos, outras – por inocência ou pretensão – se dizem “modelo/atriz/apresentadora/cantora” e o que mais couber no pacote – para desespero e desgosto dos artistas de verdade. Mulheres que não pensam. Homens que nem pensam se elas pensam e todos eles, sem pensar, estão desfigurando a famosa e verdadeira beleza da mulher brasileira.

O Brasil também tem orgulho da natureza que Deus plantou aqui. Tanto orgulho que deu e continua dando muitas de nossas plantas para cientistas japoneses, que as patenteiam como se fossem deles, as transformam em medicamentos e lucram horrores. Não há fiscais suficientes nas florestas e os poucos que existem são ameaçados de morte pelos madeireiros (clandestinos) – que por sua vez “trabalham” sossegados em reservas que, em teoria deveriam ser protegidas e pertencer aos índios. E isso acontece porque muitos indígenas maçãs-podres negociam com esses extratores pedaços de terras que ganham do governo, em troca de televisores, celulares e uma infinidade de brinquedinhos. Tal qual seus ancestrais, bem mais inocentes e bem menos ambiciosos. Também desperdiçamos água, jogamos lixo na rua, entupimos bueiros, gastamos energia, somos o 14º maior poluidor do mundo e consideramos o rodeio um esporte – ou seja – judiar de animais é um espetáculo para a toda a família.

Também não podemos nos esquecer dos patriotas de época. Aqueles que só de quatro em quatro anos se lembram que o Brasil tem um hino lindo, mas que ninguém sabe a letra. Já vi gente confundir o hino Nacional com o da Independência. E não basta confundir. Tem que confundir errado: “Japonês a pátria livre...”. Patriotas que se inflamam para discutir um pênalti, mas que não têm paciência para conversar sobre política. Política é uma coisa chata. Leitura também é outra coisa chata. Leitura é coisa de intelectuais, e os intelectuais são chatos. E os intelectuais e chatos não são queridos. Logo, isso explica a popularidade do nosso presidente... Melhor eu parar de filosofar antes que eu também fique mal quista.

Chata mesma é a burocracia que emperra nosso país: um vai-e-vem de carimbos, fotocópias, protocolos, taxas, preencher não sei quantos formulários e guias, esperar não sei quantos dias úteis, filas, greves, filas ainda maiores... Um teste para os nervos e um laboratório para se criar os espertalhões. A burocracia é a mãe do “jeitinho brasileiro”. Todo mundo acha graça, mas quando algum de nós é vítima de um trambiqueiro, aí xingamos Deus e o mundo. Só que depois a raiva passa. As coisas são assim mesmo. O Brasil é assim mesmo. E a vida continua. Brasileiro não tem sangue quente o suficiente, mas tem um talento insuperável para fazer piadas de si mesmo e ainda acha isso uma vantagem.

E por falar em levar vantagem, muitos de nossos políticos são mestres nessa arte. Mal assumem um cargo e logo tratam de arrumar uma cadeirinha para um filho, sobrinho, afilhado, nora, cunhado. Um festival de parentes. Mas e daí? Brasileiro é tão sentimentalóide, é a coisa mais linda ver uma família unida. E amigos unidos também: vocês souberam do caso dos vereadores de Guaribas (cidade-piloto do Programa Fome Zero), no Piauí? Dentre os nove edis, seis coitadinhos se beneficiam de Bolsa Família, Vale Gás e Vale Alimentação. É de cortar o coração ver que nossos políticos têm que apelar para esses recursos. Foi-se o tempo em que vereadores trabalhavam de graça, por amor à política. Aliás, foi-se o tempo em que se tinha amor e respeito por muita coisa: pela escola, pelos professores, por patrimônios públicos, pela nossa História; por nossos poetas, pensadores e escritores.

Ao contrário do que parece, eu amo o país em que nasci e vivo. Tenho orgulho da minha miscigenação e do meu idioma (ninguém me tira da cabeça que a Língua Portuguesa é a mais bonita, melodiosa e romântica do mundo). E é justamente por amar tanto que digo essas verdades. Aprendi que só quem ama é que tem autoridade para apontar não só as qualidades, mas os defeitos do “objeto” amado. Não temos que ficar nos melindrando porque vimos uma manchete do New York Times falando coisas negativas a nosso respeito ou porque nossa má fama de malandros e mulheres fáceis corre o mundo. Ao invés de ficarmos nos fazendo de rogados, poderíamos experimentar assumir o que somos – ou o que temos nos tornado – e tentar largar certos vícios, parar de arreganhar os dentes e exercitar a crítica. E não só a crítica pela crítica. Só se fala com propriedade aquilo que se conhece e não há jeito melhor de conhecermos quem somos e o que podemos vir a ser se abandonarmos os preconceitos, a visão limitada e a resistência aos debates, cultura e leitura.

A propaganda que vi já tem 17 anos, mas parece que pouca coisa, ou quase nada mudou de lá para cá. Carnaval, pedras preciosas, café e futebol fazem parte da nossa cultura e natureza, mas nossa vontade de querer melhorar, aprender, nos superar, limpar a política e resgatar nossos personagens também deveriam ser as maiores atrações do Brasil.
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(escrito em 20 de janeiro de 2007)

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