sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

O peso de dois “Nãos”

Fecho o ano de 2006 e começo 2007 com um assunto ainda a me incomodar. O tema pode parecer meio velho e fora da agenda, mas ainda me causa estranheza. Na verdade são dois tipos de “Não” que chamaram a atenção no ano que já se foi – e ainda não sei qual me soa mais absurdo.

David Irving, um revisionista britânico, teve o sangue frio de sustentar – no início de 2006 – que não houve nenhum plano ou premeditação quanto à execução de milhões de judeus durante a Segunda Guerra. Em seus discursos públicos e entrevistas, Irving negou a existência da câmara de gás de Auschwitz, que a caçada aos judeus nunca ocorreu (pelo menos não por culpa dos nazistas) que se houve algum crime contra esse povo, foram casos isolados e poucos. Disse que campos de concentração e perseguições não passaram de “contos de fadas e mentiras”. Negou que a morte desses “poucos” judeus tenha se dado por envenenamento e maus tratos (entre tantas outras formas de execução), mas sim por causas naturais e epidemias.

Com esses “nãos”, David Irving – que antes de ser revisionista é historiador – foi condenado pelo Tribunal Regional de Viena a três anos de prisão sem condicional. Ainda que pouco tempo depois ele tenha retirado o que disse, pleiteando um abrandamento da pena, a justiça foi precisa. Ou pelo menos se fez o mínimo que se podia. Na Áustria, terra de origem de Adolf Hitler – um dos maiores autores do tal conto de fadas – negar o holocausto resulta em 10 anos de prisão. Tanto austríacos quanto judeus reivindicam isso, exigem respeito à memória de seus antepassados e não permitem que se rasguem essas páginas da História.

Do lado de lá um historiador negou o holocausto e pagou justa e imediatamente. Do lado de cá, um presidente já negou tantas coisas e recebeu o que em troca? Mais quatro anos no comando. Isso sim poderia ser um conto de fadas – ainda que de fadas bem safadas. O presidente mais inocente de todos os tempos se negou a participar de debates, negou ter conhecimento sobre o dossiê contra os tucanos, negou saber dos envolvidos e de onde veio o dinheiro para pagar tais documentos; negou saber sobre o mensalão (esquema para comprar votos de parlamentares) e classificou esses eventos como “sandices que tem que acabar”. Agora Lula nega que o fato de ele dar preferência aos pobres em seus planos de governos não implica em num abandono da classe média. Não? O rolo em que se encontra a aviação civil é um indício. Ele está respondendo um grande “que se lixem” para a classe média – fatia da sociedade onde muitos eram desejosos de Alckmin na presidência e que talvez por isso mesmo esteja experimentando essa “vingancinha” refletida no problema dos aeroportos.

Fechando o ano, lembremos do reajuste de 91% nos salários de nossos congressistas sem noção. Lula disse que ainda não tinha uma opinião formada sobre isso. De quanto tempo ele precisa? Eu não tenho idéia. Ele, menos ainda. Só sei que me entristece ver como esses nãos tem pesos tão distintos. Um “não” coloca em dúvida capítulos horríveis da História da humanidade, mas que graças ao brio de um povo, seu autor foi castigado. Guardadas as devidas proporções, aqui inúmeros nãos puseram em xeque a inteligência e a dignidade de tanta gente e nada aconteceu. Estou começando a achar que brasileiro só demonstra ter sangue quente quando é época de Copa do Mundo, ou quando chega o carnaval.
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(escrito em 03 de janeiro de 2007)


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