sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

DOCES SAUDADES DE GARÇA

“Avante Garça / Pelo céu cor de anil / Por teus filhos / Por São Paulo / Pelo Brasil”
(Hino a Garça – Letra: Prof. José Porfírio – Música: Maestro Antônio Lazarini)

Como diria Mário Prata, “hoje eu acordei meio romântica”, por isso decidi fazer de vez uma declaração de amor a Garça – não que eu precise de um motivo forte para faze-la. Mas é que também eu estava devendo isso, o professor Letterio me recomendou a falar mais sobre a cidade, e minha mãe – ao escrever um artigo sobre a sua Garça nos anos 60 – me deu a idéia de falar sobre a minha, entre os anos 80 e 90. Tenho saudades daqui sem ao menos ter saído; saudades de uma época em que realmente eu nem pensava em sair, saudade de dias em que eu me assustava só com a possibilidade de um dia ter que deixar uma cidade que, para mim era o mundo todo.

Nesse mundo à parte eu costumava ir com minhas primas ao lago – ou ao brejo que havia ali, rodeado de taboas – para catar peixinhos. Usávamos um coadorzinho de leite da minha tia (se ela não sabia, agora ficou sabendo) para pegar minúsculos peixes prateados que a molecadinha chamava de “lebiste” ou “alesbiste”. Não encontrei nenhum desses nomes no dicionário, mas levávamos os “seja lá o que for” para casa e logo devolvíamos ao lago, já que ninguém queria criar aquilo. Também com elas eu ia a um barzinho, de uma tia delas, que era um verdadeiro pecado: Lollypop, que ficava quase ao lado do Grêmio. Uma perdição de balas, bombons e outras delícias, ponto de encontro dos mesmos adolescentes e jovens que freqüentavam o Grêmio.

Eu ainda não era adolescente nessa época, mas lembro de alguns lugares com saudade, justamente pela vontade que eu tinha de freqüenta-los. Morria de curiosidade de entrar no Porão – onde hoje é o AllCópias. Meus primos mais velhos iam, e o máximo que eu podia chegar perto era até a calçada. Isso aguçava ainda mais minha vontade. Queria saber o que tanto eles “escondiam” ali dentro, que criança não podia ver – essa era a minha implicância. Só via fumaça de cigarro dançando a meia-luz e muita gente se espremendo naquela espacinho regado ao típico rock dos anos 80. Se as pessoas se espremiam e inalavam fumaça, qual era a graça? – pensava eu. Queria muito saber. E soube, dia desses, quando o Cabral me contou que ali se reuniam “tribos” diversas e muito interessantes. Pessoas ligadas em arte, literatura, teatro, música. Em suma: jovens pensadores. Uma pena não existir mais na cidade lugares como o Porão, mas por outro lado, não sei se um Porão ainda sobreviveria em Garça...

Além desse “esconderijo” no centro da cidade, os jovens ainda contavam com o Casablanca (antes, na frente da Skimell; depois no Tênis), onde – soube – havia ótimas batidas; o Caranova (na frente da Rotatória Marco Zero) – me corrijam se eu estiver errada, mas acho que era lá que serviam ótimas panquecas, e o Escadão, que ficava no lago onde hoje funciona um posto policial – da cara original do bar só sobraram aquelas mesinhas (ou suas ruínas) lá em baixo, junto às cerejeiras. Os jovens garcenses realmente não tinham do que reclamar. Hoje nossa chateação é ficar sem saber para onde ir por falta de lugares, ao contrário deles, que ficavam indecisos pelo tanto de opções. Afinal ainda tinham os famosos “Berimbaus” no Grêmio e “Mingaus” no Tênis – ainda hoje quero saber o por que desses nomes. Berimbau, até onde sei, tem a ver com capoeira (e daí?), mas e mingau? Será que era porque esses bailinhos aconteciam aos domingos e bem cedo – às 20:00 – e bailinho cedo é coisa de criança, e mingau e também é coisa de criança... enfim, deixemos essa analogia louca de lado. Só sei que ainda na metade dos anos 90 eu ainda tive tempo para pegar essa fase de Berimbaus e me diverti muito – foi quando vi a chegada do movimento grunje e da invasão da dance music. E por mais inacreditável que possa parecer, as coisas ainda eram bem inocentes, perto do que vemos hoje. Lembro que, para um menino ter coragem de se aproximar de uma menina, levava muitos e muitos berimbaus.

Voltando ao roteiro gastronômico de Garça, lembro-me de várias noites de domingo na sorveteria Via Láctea (aqueles “sofás” com estilo de lanchonete americana ainda eram novidade por aqui) e dos sábados na pizzaria O Paiol. Alguém se lembra daquele terreno, na rua Rua Coronel Joaquim Piza? Lembram-se do grande flamboyant que havia ali? Eu gostava de ficar brincando naquela árvore com outras crianças enquanto a pizza não vinha. Também me lembro do incomparável frapê de morango que tinha no Suco 13. Nas férias, quando minha tia vinha de São Paulo, a gente sempre ia lá e aproveitava para levar um monte de salgados pro pessoal que ficava na casa da minha avó. Gostava de ficar girando naquelas cadeirinhas e sentindo aquele cheirinho de frutas com leite. Mas essas memórias visuais e olfativas têm bem mais de 10 anos.

Falando em memórias visuais, quem aí que foi criança nos anos 80 e não se lembra da banca de revistas que ficava na praça Rui Barbosa? Na época da minha mãe, era o Senhor Aurino o dono. Na minha, eu infelizmente não sei. Só sei que eu aparecia por lá muitas e muitas vezes para olhar os gibis da Turma da Mônica. Tinha uma moça que me olhava meio torto, pois não queria que folheassem as revistas. Certo. Só que eu folheava e comprava! Gastava uns Cr$ 500,00 por vez e assim formava a coleção que tenho até hoje. Ainda na Praça Rui Barbosa, havia os desfiles das escolas de samba. E, pelo que me lembro, os desfiles daqui não ficavam devendo nada aos desfiles das outras cidades da região. Os carnavalescos se empenhavam, não economizavam nos materiais e os jovens que compunham as alas, levavam a sério a disputa entre escolas. Tínhamos os grupos do Salgueiro, Rosas de Ouro e Grêmio (aliás, a mulherada da família Sganzerla era 100% gremista – algumas de nós desfilamos pelo clube). Também tenho saudades de quando o Grêmio Teatral Leopoldo Fróes era, de fato, teatral. Quando comecei a assistir a peças de teatro, eis que elas passaram a não ser mais encenadas ali. Quando criança, vi uma peça do grupo garcense “Nau dos Patetas” e depois, na pré-adolescência, vi com meus pais o “Analista de Bagé”.

E já que citei disputas, tenho certeza que muitos se recordam das deliciosas gincanas que a rádio 102,5 FM promovia. Caças ao tesouro, ao lobisomem e a outras coisas que faziam a petizada correr feito doida pela cidade. Alguns formavam grupos grandes; outros, mais modestos. O locutor ficava ditando as charadas no ar e dando as dicas; quando um grupo decifrava a pergunta, corria para o lugar, encontrava outra pista e partia para uma nova busca. Minhas primas e eu tínhamos a sorte de ter bicicletas e walkmans, assim, já ficávamos na rua, prontas para ouvir a próxima pista e correr atrás dela. Não chegamos a vencer alguma gincana, mas sempre ganhávamos uns brindes – com o perdão da palavra, mas enchíamos o saco dos locutores e, durante uma promoção, minha prima ganhou uma camiseta do The Doors e eu, uma bolsa de 6 meses para estudar espanhol.

E não tem como reviver Garça dos anos 80 sem falar do Cine São Miguel. Meu colega de APEG (o Fabrício) já escreveu otimamente sobre isso, portanto não vou me estender muito. Também me lembro dos cartazes – alguns pintados – que ficavam no hall do cinema, das filas gigantescas - sobretudo nas sessões de comédia – do lanterninha, do carpete vermelho, da bagunça dos jovens durante os traillers. O primeiro filme que vi ali foi “Os Fantasmas Trapalhões” – mais uma daquelas películas feitas para promover os “artistas” jovens da época, como o grupo Dominó. Anos depois, entre outros, vi “O guarda costas”, “O Homem da Califórnia” (é, a gente comete umas bobagens de vez em quando) e “Drácula – de Bram Stoker” – esse sim é memorável. Morri de medo quando vi a cara de Gary Oldman naquela tela gigantesca. Mas acho que minha última ida ao Cine São Miguel foi quando as turmas da 6º série e do colegial diurno do Monsenhor Antônio Magliano foram, acompanhadas de professoras, assistir à “1492 – A descoberta do paraíso”. Tínhamos que assistir com um olhar crítico e depois fazer uma resenha sobre o “achamento” da América. Mas nossa atenção ficou dividida entre o trabalho passado pelas professoras e o abaixo-assinado que corria entre os alunos. O famoso e inútil abaixo-assinado que pedia para que não fechassem o cinema. Vi aquele filme com a sensação de que seria o último. E realmente foi.

Outra coisa triste que acabou e deixou aquele nozinho na garganta: as idas ao bosque para ver o urso. Aquele urso que tinha sido doado por um circo e que, timidamente, dentro daquele espaço mínimo, dançava. Na época a gente nem se tocava, mas aquelas dancinhas deviam ter custado algumas surras ao urso. Não parávamos para pensar como ele devia sofrer e como se entupia de tranqueiras que as pessoas jogavam. Depois que ele morreu é que foram saber que ele comia embalagens plásticas, saquinhos de salgadinho e até fitas cassetes! Acho que essa é uma, das duas lembranças chatas que eu tenho daquela época.

Voltando à parte boa. Durante as semanas que antecediam o Natal, quando o comércio abria à noite, lembro-me do sujeito que ficava vestido de Pantera Cor-de rosa, brincando com as crianças e dando balinhas, à porta da loja A Pantera. Fazia meus pais me levarem lá todas as noites – além de ganhar balas, eu queria desvendar quem é que estava na roupa de Pantera. Depois me disseram que era o filho do dono da loja, mas essa informação nunca me foi confirmada. E as coisas não eram só festa! Eu também freqüentava a missa das crianças. Elas eram celebradas pelo padre Vanim, que foi embora da cidade. Aliás, cada um dá sua versão de que fim teria levado o tal sacerdote. Já ouvi algumas hipóteses, mas também nenhuma, até agora, se confirmou. Eu também costumava ir na Foto Takiuti. Gostava de olhar as fotos estranhas que tinha ali: umas eram de um punhado de ovos, outras de abóboras e chuchus (?), alguns animais, gente desconhecida que nunca mais voltou para buscar seus retratos, e uma foto chocante da loja A Pantera pegando fogo. Gostava de ficar viajando naquelas fotos, me perder ao imaginar aquelas situações.

Gosto de viajar no tempo, exatamente como fiz agora e espero ter feito outras pessoas viajarem também. Gosto de lembrar como tive sorte de haver nascido em Garça, de como esse lugar é especial para mim, de como vivi momentos incrivelmente felizes, como conheci pessoas fantásticas, como passei por escolas ótimas, como tive inesquecíveis professoras, como o céu daqui é mais bonito o frio daqui é mais gostoso, os pores-do-sol são de cinema. Todas as pessoas com as quais convivi na infância e adolescência, que têm a mesma idade que eu ou até um pouco mais, tenho certeza que, independente de onde estejam hoje, sentem saudades e têm um carinho muito forte por Garça.

Garça é uma cidade estranha – no melhor dos sentidos. Ora é maravilhosa, ora é um tédio. Ora nos dá paz, ora nos dá agonia. Ora amamos, ora nos irrita. Garça desperta em mim uma série de sentimentos que, no fim das contas, me faz feliz e me dá orgulho. Torço para que Garça continue crescendo sempre, mas que nunca perca esse ar deliciosamente interiorano. Hoje eu acordei assim, meio romântica. Amanhã posso não acordar com o mesmo humor. Mas meu amor por Garça é imutável.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Veri, tudo bem? Legais esses textos!