sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Amor de Perdição



A extremada paixão portuguesa. Casos amorosos enrolados vividos pelo próprio autor. Inspiração em Shakespeare. Ingredientes que fizeram de Amor de Perdição um dos símbolos mais belos da literatura lusitana. Escrita em 1862, numa fase em que o romantismo contava histórias de amores desmedidos, a obra – uma autêntica novela portuguesa – segue popular até hoje.
Os nomes Amor de Perdição e Camilo Castelo Branco me marcaram, pois o primeiro contato que tive com as letras d´além mar foi lá pelos anos 90, através deste livro e de alguns outros estudados nas aulas de Português (da professora Vera Sganzela) no Monsenhor Antônio Magliano. Foram anos excelentes, foram aulas ótimas (e falo como aluna, não enquanto filha), foram obras inesquecíveis. Hoje me pergunto se um adolescente leria algo assim de bom grado. A obra foi lida para que conhecêssemos um pouco sobre literatura e autores portugueses que provavelmente nos apareceriam em alguma prova de vestibular; fizemos prova e os discutimos oralmente, mas o que era para ser um trabalho da disciplina acabou virando uma boa lembrança.

A inspiração shakesperiana do escritor luso vem do fato de o casal protagonista, Simão Botelho e Teresa Albuquerque pertencerem a famílias rivais. O cenário divide-se entre as cidades de Viseu, Coimbra e Porto e os jovens mantêm um namoro às escondidas. Por caminhos tortos as famílias ficam sabendo dos planos dos jovens e o pai da moça tenta casá-la com um primo, tal como em Romeu e Julieta. Teresa resiste e acaba sendo internada em um convento. Assim como o Montecchio de Verona, Simão arranja uma briga com o primo da amada e seus criados e acaba por refugiar-se na casa de um ferreiro, João da Cruz, conhecido (e devedor) de seu pai. Mariana, a filha do ferreiro apaixona-se por Simão. Sai a influência de William e entra o complicado triângulo amoroso de Castelo Branco.

Apesar das investidas incisivas de Mariana, Simão troca correspondências com Teresa e mais tarde tenta raptá-la do convento. Durante a tentativa ele, sem querer, mata o primo da amada, sendo então preso e condenado à forca. Mas como seu pai era um homem muito influente (e daí será que nasceu o “jeitinho brasileiro” para resolver as coisas?) ele conseguiu com que seu filho, no lugar da pena de morte, passasse 10 anos exilado na Índia. Só que o velho não fez isso por amor a Simão, mas por não querer ter no nome da família a mácula de uma condenação à morte.
E como nessas histórias o destino é um grande sádico, o porto de onde sairia o navio levando Simão ficava próximo ao convento onde Teresa estava enclausurada. A moça soube da partida e viu o embarque. Ela, que já sofria de tuberculose, entregou-se de uma vez e morreu. Poucos dias depois, em alto-mar, doente e delirante, morre Simão. E a devotada Mariana? A filha do ferreiro, parte mais fraca do triângulo, mas nem por isso menos apaixonada, ao ver lançarem o corpo do moço ao mar, atira-se nas águas para afundar ao lado dele.

É claro que contando assim, a dramaticidade pode parecer pouca, mas o romance é todo costurado com momentos ainda mais carregados de amor e sofrimentos; os pais de Simão que mais ligavam para a honra da família do que para os conflitos do filho, a profunda melancolia de Teresa, trancada sob a vigilância ferrenha das freiras e que vai, literalmente, morrendo aos poucos de saudades; Mariana que, de tanto adorar Simão, chega a ficar demente, o ferreiro que foi assassinado e a filha que vendeu tudo o que lhe restou para viver em função de seu objeto de desejo; o primeiro e único beijo de Mariana dado em Simão, já morto... Praticamente todos mortos. Dos apaixonados só restaram as cartas.
Para os mais realistas ou racionalistas, isso pode soar muito piegas. Para os mais românticos, trágico. Para quem transita entre o racional e o passional o desfecho é perfeito: os melhores casos de amor são aqueles que não dão certo.


06 de outubro de 2011 (Jornal Comarca de Garça - Cultura)

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