sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Máximas e Reflexões



Nossas virtudes não são, geralmente, senão vícios disfarçados”, “A pressa em pagar um favor é uma espécie de ingratidão” ou “Se há homens cujo ridículo nunca se revelou, é porque não se procurou bem”. À primeira vista essas podem parecer apenas frases espirituosas de um velho rabugento. Espécie para mim, das mais divertidas. E sábias, claro. Sabedoria e diversão não têm que andar separadas. E somente alguns poucos sábios como La Rochefoucauld misturavam essas artes tão bem – fazer rir, refletir e descobrir em nós mesmos os nossos pontos mais mesquinhos e ridículos. Máximas e Reflexões é um guia perfeito para isso.
François (duque) de La Rochefoucauld e príncipe de Marsillac, nascido e falecido em Paris (1613 – 1680), foi um aristocrata que dedicou-se à carreira militar, envolvendo-se em intrigas com membros poderosos da Igreja, conspirava contra a corte e participou da guerra civil francesa de 1648/1653. Nesse tempo foi gravemente ferido nos olhos, comprometendo, com isso, sua carreira. Assim ele, que já possuía um espírito ácido e desencantado com a humanidade, passou a dedicar-se aos encontros literários, onde destacava-se nos salões pelas suas máximas morais e reflexões.

Misturando seus discursos com um “quê” de entretenimento, La Rochefoucauld, deu origem a um gênero literário, o das máximas e epigramas, em que tecia os mais corrosivos comentários a cerca da natureza dos homens. Para ele a humanidade não conhece a bondade, as pessoas parecem agir com solidariedade quando por trás dessa máscara existem apenas interesses e hipocrisia. Segundo ele e sua alma cáustica, o que move as ações humanas são o amor-próprio, a vaidade e a necessidade de admiração e adulação – características impregnadas na nobreza de sua época. E ainda na “nobreza” da nossa.

De certo modo, pessimistas como La Rochefoucauld têm seu encanto. Mark Twain, o rabugento americano, foi um deles; condenava a “maldita raça humana” à categoria de pobres coitados imbecis que deveriam observar e aprender com os animais, que são bem mais sinceros e sábios que nós. Já o rabugento francês, desiludido com as pessoas, até tivesse tentado encontrar algum traço de bondade e desapego nos homens, mas não deu a sorte de encontrá-los, pelo menos não em seu meio. Mas ainda assim a herança de seu gênero literário eternizou-se e ainda nos faz muito sentido. Segundo ele, gratidão é algo que os homens vão morrer desconhecendo.
Sua obra inspirou outros “corações negros” como Friedrich Nietzsche, que tinha em Máximas e Reflexões um de seus livros favoritos.

La Rochefoucauld não se travestia de rebelde, não queria parecer revoltado e nem seria hoje confundido com um adolescente pirracento que defende causas de acordo com o modismo. Ele falava com propriedade das falhas humanas baseado naquilo que ele via e vivenciava nas cortes, nas ruas e entre o clero, lugares onde se tramavam constantemente; o contexto histórico, social e religioso de seu tempo talvez justifique o temperamento do duque que via na moral um ponto de luz a ser lançado na sociedade. E sobre si mesmo, afinal ele, tomado pela vaidade e pelas paixões e entregue ao ostracismo, teve um final de vida deprimente e quase solitário.

Máximas e Reflexões
Autor: La Rochefoucauld
Editora: Escala
Páginas: 146

13 de outubro de 2011 (Jornal Comarca de Garça - Cultura)

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