sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A vida feliz



O que faz você feliz? Tá, parece aquela propaganda de supermercado, mas essa é uma das perguntas mais básicas que tem acompanhado a humanidade desde quando ela tomou consciência de si mesma. Cada área do conhecimento tem uma resposta ensaiada, pronta para satisfazer os mais conformados. Mas foi curiosamente a Filosofia – a arte de pensar e nos fazer ter sentimento de culpa – quem chegou mais perto de esclarecer os caminhos para a felicidade, ou pelo menos para algo do gênero. Machado de Assis já dizia que não há felicidade. Só momentos felizes. Concordo com ele, mas também não posso deixar de concordar com um outro senhorzinho adorável, um contemporâneo de Jesus que tentou levar Nero para o bom caminho, mas como pudemos perceber, não conseguiu.

Lucius Annaeus Seneca, ou só Sêneca, foi um dos pensadores mais gente fina de toda a história da filosofia. Ele me pareceu meio familiar, como um avô muito legal e experiente, sempre disposto a ensinar, mostrando que para se atingir o estado de felicidade basta uma coisa: personalidade. Em a Vida Feliz (que não tem nada a ver com livros “porres” de auto-ajuda), ele aponta meios para se chegar a uma existência no mínimo satisfatória com um preceito bem simples: fujamos daquilo que o senso comum dita, o que os demais pensam não é lei. Eu vejo Sêneca não só como um filósofo gente boa, mas como alguém que era ao mesmo tempo simples e genial. Alguém que eu adoraria ter em meu círculo de amizades.

Segundo ele, o vulgo sempre errava, a massa seguia o conformismo e não usava a razão (isso lembra uma frase rodriguiana que dizia que toda unanimidade é burra). Logo, para encontrarmos a felicidade deveríamos tomar distância da multidão. E ele ia na contra-mão do que a massa faria: nascido um homem de posses e de família ilustre, ele preferia a água ao vinho, se alimentava frugalmente e dormia em um colchão simples. Ele não condenava o conforto nem a riqueza, mas sim o mau uso desses recursos. Avarento? Talvez sim, talvez não, mas para ele isso também era a prática da vida feliz. Além da simplicidade, pregava ainda a apreciação da alma no lugar do pré-conceito, o fim da ostentação e da superficialidade, o arrependimento sincero, a observação da natureza, a busca pela tranquilidade da alma em detrimento dos prazeres frívolos (prática chamada de ataraxia), o exercício da racionalidade, não cobiçar um bem ou um dom que não se tem, não obedecer aos impulsos, buscar uma vida virtuosa, não se deixar abater pela má sorte, pois o único modo de nos libertarmos da escravidão é sendo indiferentes a essa tontice de “sorte”.

Foi classificado como um estóico, pois esses são preceitos típicos dessa linha filosófica. Ele via os males da sociedade e para ele a desonra era um dos maiores, bem como a traição de nossas próprias convicções. Isso tudo parece bem óbvio, mas a obviedade maior está no fato de que para muitos, isso não passa de teoria. Para os leitores mais religiosos, o caminho da felicidade, claro, é unicamente Deus. E Sêneca nunca misturou seus pensamentos com religião, porém sua doutrina é totalmente do bem, lembrando muito com o que Jesus pregava. Inclusive, mesmo sendo da época de Cristo, eles nunca se encontraram e Sêneca nunca fez menção alguma sobre ele em seus escritos. Mas sabe-se que houve encontros e trocas de correspondências entre o filósofo e o apóstolo Paulo. Ele também desenvolveu as ideias do fluxo de energia e do princípio ativo que se referiam à regra geral, que posteriormente tornou-se famosa: Causa e Efeito ou Ação e Reação.

Intelectual, orador, advogado e senador, foi também preceptor do jovem Nero, enquanto mantinha paralelamente uma vida de escritor, produzindo muitos textos satirizando os poderosos. Nero tornou-se imperador ainda adolescente e Sêneca era para ele um conselheiro, tentando guiá-lo para uma política justa e mais humana. Mas sua índole já estava manchada e a boa influência de Sêneca sobre o imperador durou pouco; Nero foi revelando-se ambicioso, caprichoso, tirano e corrupto. Sêneca passou então a ser acusado de afrontar o governo e, sem quem o defendesse (nem os amigos), caminhou para a morte. Sêneca se viu obrigado a cortar os pulsos. Até a História se mostra um pouco injusta para com ele, acusando-o de ser rico e tê-lo sido pela vida toda, pregando a humildade só da boca para fora. Mas sabe-se que riqueza não é pecado. Pecado é promover através dela injustiças e vergonhas, é fazer da opulência um estilo de vida. O fato é que as injúrias dirigidas a Sêneca vieram daqueles que o invejavam e o viam como inimigo.
Espírito nobre, prosa cativante, mansidão, ousadia; era metafórico, irônico, humano. Podem não ser elementos compatíveis com uma vida feliz, mas são, sem dúvida, a maior riqueza de um homem.

A vida feliz
Editora Escala
Páginas: 126

27 de outubro de 2011 (Jornal Comarca de Garça - Cultura)

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