sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crônicas Escolhidas - Lima Barreto




Não pretendo fazer coisa alguma pela pátria, pela família, pela humanidade. De resto, acresce que nada sei de história social, política e intelectual do país; que nada sei de geografia, que nada entendo de ciências sociais (...) vou dar um excelente deputado

Um dos primeiros, senão o primeiro militante da Literatura Brasileira, Afonso Henriques de Lima Barreto deixou este mundo muito cedo, aos 41 anos, e como vários gênios só foi devidamente reconhecido depois da morte.
Mulato, nascido no Rio de Janeiro numa época em que o Brasil havia recentemente libertado seus escravos, ele conheceu as dores do preconceito justamente no meio em que queria se realizar e usar para denunciar as injustiças sociais: entre os escritores. Ele cresceu vendo os bons exemplos dos pais Joaquim, que nascido escravo, tornou-se tipógrafo d’ “A semana ilustrada”; e Amália, filha de escravos, era professora primária. Lima devorava livros, mas não terminou os estudos por conta do peso que lhe caiu aos ombros: os pais morreram e ele teve que dar conta do sustento de quatro irmãos. A loucura que matou seu pai parece ter impregnado o jovem Afonso, que depois de um tempo passou a sofrer com crises de profunda depressão, reforçadas pelo alcoolismo. Apesar disso, ainda foi aprovado em concurso público para o Ministério da Guerra e marcava presença na imprensa como colaborador e jornalista em dezenas de jornais e revistas. Com isso ele conseguia manter a família. E mesmo com as recaídas, ele seguiu escrevendo e chamando a atenção dos críticos, incomodando os parnasianos, sempre colocando muito de si mesmo em seus folhetins e romances.

Mas como santo de casa não opera milagres, Lima só conseguiu publicar seu primeiro livro de ficção, estreando oficialmente como escritor, em Portugal, com Recordações do Escrivão Isaías Caminha, uma crítica severa à sociedade brasileira, altamente preconceituosa e hipócrita. E disso Lima Barreto entendia bem. Atuante jornalista, pendendo para a militância contra a Velha República, inovou a nossa literatura por fugir às regras do Parnasianismo vigente, com uma linguagem mais coloquial, exaltando figuras e costumes populares, sempre com um tom de denúncia, mordaz e ao mesmo tempo doída. Por essas razões esse, que é um dos meus “escrivinhadores” favoritos, sentiu-se um patinho feio na literatura, encarando os olhares de desdém de seus colegas, que o classificavam de relaxado e que nunca lhe deram uma chance na Academia Brasileira de Letras.
Lima Barreto morreu tentando uma vaguinha na ABL, cada vez mais amargurado, colecionando cada vez mais críticos-inimigos, lamentando que esses preconceituosos escritores estivessem fazendo da literatura não uma arte, mas algo mecânico. Seu sonho, ao contrário, era usá-la como arma para denunciar as falhas da nossa sociedade e dos governos, renovar os velhos costumes; para ele o escritor tinha essa obrigação, o artista deveria ter uma função social. Autor de clássicos tardiamente reconhecidos como Triste fim de Policarpo Quaresma, Clara dos Anjos, O homem que sabia javanês, e Os Bruzundangas, Lima me encantou primeiramente por suas crônicas e longe, bem longe (anos-luz) de querer parecer presunçosa, mas vi um pouco de mim em muitos de seus escritos. Assim como Lima (jornalista, sonhador e com crises de desânimo) eu acredito na obrigação de todo escritor de ao menos tentar ter sua função social, de usar as palavras e seu conhecimento para denunciar, cutucar, provocar, incomodar, fazer notar quão ridículos são certos costumes e quão corrosivos são os preconceitos.

Muitos diriam que Lima Barreto entregou-se facilmente (morreu pobre, esquecido e encharcado de álcool, praticamente um indigente) e que se tivesse insistido mais um pouco até pudesse ter sido reconhecido em vida. Não vou bancar sua advogada, mas tendo nascido mulato num Brasil que, mesmo depois da abolição da escravatura, ainda conservava mentalidade colonial, e cercado por escritores pomposos e críticos cruéis, Lima foi longe. E poderia sim, ter ido além. Mas li em algum lugar que os gênios à frente de seu tempo, incompreendidos que são, morrem cedo, enlouquecem, se matam por não se sentirem pertencentes a este mundo. Lima talvez se encaixasse melhor nos dias de hoje, material para suas denúncias não faltaria.

Crônicas Escolhidas – Lima Barreto Editora: Ática - Páginas: 158
Onde encontrar: nos sites mais populares de compra e venda, entre 5 e 8 reais ou textos avulsos e gratuitos em www.dominiopublico.gov.br

20 de outubro de 2011 (Jornal Comarca de Garça - Cultura)

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