sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Chaplin por ele mesmo




“Eu continuo sendo apenas um palhaço, o que já me coloca em nível bem mais alto do que o de qualquer político”

Chaplin e um menininho. Quem é que já não teve ou viu essa imagem estampando um quadro, lá pelos anos 80? Um dos clássicos do brega estava lá nos lembrando de um dos clássicos do cinema.
Um dos primeiros contatos que tive com Chaplin, foi vendo esse tipo de decoração em lanchonetes e ainda não tinha ideia do sujeito incrível que estava pendurado ali. Foi na sexta ou sétima série, durante uma aula de História que passei a me interessar por esse adorável “esquisitinho”, quando assistimos a Tempos Modernos. O filme serviu para que entendêssemos a Revolução Industrial, a alienação causada pelo esforço repetitivo e emburrecedor, sobre linha de montagem e a exploração sobre o operariado miserável. Lendo assim, quem ainda não conhece a obra, imagina um drama. Mas esse foi um dos filmes mais engraçados a que assisti até hoje e foi a partir daí que comecei a prestar mais atenção no vagabundo mais querido do mundo.

Via sempre o personagem, mas queria conhecer o homem criador do ícone. Aí, antes que a livraria fechasse, deu tempo de comprar o que considero (assim como foi com o livro sobre os Beatles), apenas uma degustação: Chaplin por ele mesmo. Já havia visto outros filmes e documentários sobre o artista e sua criação, mas nada ainda que partisse do ponto de vista do próprio. Seus amores e escândalos pessoais soam como todos os outros, típicos dos grandes artistas do cinema. O que encanta mesmo é poder conhecer o indivíduo criativo, crítico, irônico, o sujeito que mesmo se virando com pouco legou-nos um personagem que nos fez rir enquanto punha o dedo na cara da burguesia. Mostrava de modo cômico e singelo o lado dos desvalidos.
Chaplin, ao mesmo tempo em que mostrou a crueza do “homem-primata-capitalismo-selvagem” em Tempos Modernos, também nos descortinou o lado mais bonito do ser humano, solidário, de quem se sacrifica pelo próximo sem esperar nada em troca, como em Luzes da Cidade. E isso sem que fosse necessário ele dizer uma palavra. Era capaz de nos arrancar risadas e nos dar um nó na garganta com a mesma facilidade.


Charles Spencer Chaplin (16/4/1889 – 25/12/1977) nos lembrou no papel de (falso) ditador que “mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido”. E até hoje convivemos com essa necessidade. Almas como ele enxergam com maior sensibilidade as carências do ser humano, bem que tentam avisar dos possíveis desastres, mas morrem antes que alguém lhes leve a sério. E ele tinha consciência disso, quando disse: “Que eu seja um comediante – mas um comediante que pensa”. Embora não gostasse muito de pompas, foi condecorado Sir, pela Rainha Elizabeth II, em 4/3/75. Essa honraria deveria ter sido cedida em 59, não fossem as suspeitas de que ele pendesse para o comunismo. Ele realmente não ligava. Usava sua estatueta do Oscar de 29 como peso de porta.
Carlitos nos fazia rir, mas Charles era um homem sério. Pai severo, mulherengo, frio para os negócios, judeu torto, amargurado e um tanto ressentido. E daí nasceu o sujeito que acreditava no poder da imaginação, aquele que afirmava que uma boa obra cômica pudesse ser tão grandiosa quanto a mais famosa das tragédias gregas, cria na força da beleza e da poesia. Definitivamente uma vida imperdível.

Mencionei a breguice dos quadros de Chaplin com o menino, nas lanchonetes oitentistas. Pois bem. Tenho um quadro com uma cena do discurso d´ O Grande Ditador (o carinha que fez a moldura já indagou “por que o Hitler?”). Como defesa posso alegar que cenas de clássicos imortalizadas em quadros até podem não ser bregas. São vintage. Coisas de nossos tempos modernos...

Chaplin por ele mesmo
Editora: Martin Claret
Páginas: 160

02 de novembro de 2011 (Jornal Comarca de Garça - Cultura)

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