sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Libertinagem & Estrela da manhã



Teresa, você é a coisa mais bonita que eu já vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos” (Madrigal tão engraçadinho)

Um delicioso retorno às coisas mais simples e, no entanto as mais despercebidamente importantes da vida. As palavras de Manuel Bandeira têm esse poder.
Tardei um pouco a conhecê-lo, mas como tudo no mundo tem um motivo, Bandeira me apareceu na hora certa. Se ele tivesse me caído às mãos antes, talvez na adolescência ou nos meus vinte e tantos anos, talvez eu não o compreendesse e o visse como um tiozinho que escrevia coisas que qualquer um escreveria se dispusesse de tempo para ficar de olho nas coisas e nas pessoas. A imaturidade, inclusive a literária, nos leva a cometer tais pecados.

Mas Bandeira começou a morar em minha estante no tempo certo. Alguns anos, alguns tropeços e muitos textos depois, adquiri sensibilidade suficiente para sacar que a chave do brilhantismo é a simplicidade, é saber captar no trivial, sentimentos que julgamos distantes de nós. Vai ver que é porque somos ocupados demais para contemplar.
Pequenos flashes do cotidiano que passam sem ser notados, pequenas bobeirinhas diárias que nos provocam um sorriso no canto da boca, o corriqueiro, o banal e até o ordinário; sem essas coisinhas nossa travessia não teria graça. Bandeira, com seu jeito tão característico resgata essas miudezas. Certa vez ouvi uma frase, aplicada ao teatro que diz que “o menos é mais”. Essa afirmação tão “menos” por si só é tão sábia e é a cara de Bandeira.

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho (Recife, 1886 – 1968) compôs a leva de artistas da Semana de 22, sendo um dos maiores expoentes da literatura moderna. Viajando desde cedo, cursou Humanidades, mudou-se para São Paulo (onde iniciou, mas não concluiu Arquitetura); atacado pela tuberculose foi passar uma temporada em Campos do Jordão e de lá foi à Suíça internar-se. De volta ao Brasil, iniciou-se nas letras, foi nomeado inspetor federal de ensino e tornou-se conhecido do público graças às boas críticas que recebeu. Foi professor de Literatura e eleito membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), sendo ainda crítico literário e de artes e tradutor.
E, no entanto, com tanta riqueza cultural, ele foi buscar na simplicidade e no “invisível” a fonte de seus escritos. Alguns românticos, doces, quase inocentes, alguns como se fossem ditos pela boca de uma criança, mas vários com uma certa ironia, ou talvez melancolia. Mas uma melancolia com açúcar (misturada com um pouquinho de água parnasiana?):

Andorinha lá fora está dizendo: - ‘Passei o dia à toa, à toa’.
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! “Passei a vida à toa, à toa”.

Autor do conhecidíssimo “Vou-me embora para Passárgada”, Bandeira me cativou por duas práticas que prezo demais no universo da poesia: fez uso do soneto, forma clássica, e particularmente a mais bela de poema, e, embora tivesse facilidade com a métrica ele também produziu muitos versos livres. Libertinagem & Estrela da manhã (que é a reunião de dois livros) é recheado deles. Versos livres são um bálsamo para quem como eu, tem pavor de rimas gratuitas.
Quem precisa ficar se preocupando com rimas? Muitas delas se tornam irritantes porque acabam se tornando o mote do poema. Mas isso é feito por quem tem muito que aprender e nem desconfia.

Ser simples é o mote. E a beleza será encontrada por seus pares. Simples assim. Como a vida é e quase ninguém enxerga.


Libertinagem & Estrela da manhã
Autor: Manuel Bandeira
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 112

25 de agosto de 2011 (Jornal Comarca de Garça - Cultura)

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